Luís Campos: Resposta aos doentes crónicos é “fragmentada, reativa, episódica e centrada na doença”
Num artigo de perspetiva publicado na 5.ª edição da revista Gazeta Médica, Luís Campos descreve a evolução da Medicina Interna em Portugal, destacando os grandes desafios futuros da especialidade. O presidente da sociedade Portuguesa de Medicina Interna defende que, em Portugal, “ainda estamos longe de uma cultura centrada no doente”. Nas palavras do especialista, “o modelo prevalente de abordagem dos doentes crónicos é reativo, fragmentado, muito centrado nos episódios, na urgência”. E “isto é algo que tem de mudar”.
A Medicina Interna Perante os Desafios do Futuro dos Cuidados aos Doentes Crónicos é o título do artigo de perspetiva no qual Luís Campos começa por referir que Portugal tem uma situação privilegiada relativamente ao contexto europeu, uma vez que soube preservar o carácter generalista da Medicina Interna, enquanto na Europa Central e do Norte, existe uma dupla titulação, modelo que torna cada vez mais difícil uma resposta holística aos doentes idosos e com multimorbilidades que invadiram os hospitais. Esta resposta exige no entanto mudanças organizacionais, que combatam o modelo fragmentado, em silos, dedicados a órgãos ou sistemas, em favor de modelos departamentais, de programas de cogestão nos serviços cirúrgicos e de novas alternativas no ambulatório hospitalar, como sejam programas de hospitalização domiciliária, maior investimento nos hospitais de dia e unidades de cuidados integrados. A Medicina Interna está preparada para liderar esta mudança.
Luís Campos descreve, no seu artigo, que em Portugal a resposta aos doentes crónicos é “fragmentada, reativa e episódica, essencialmente centrada na doença”. Neste contexto, “temos que mudar o paradigma desta resposta e proporcionar a estes doentes cuidados continuados, integrados, preventivos, centrados no doente e não da doença. Só assim conseguiremos reduzir as admissões nas urgências e os internamentos hospitalares destes doentes”, defende. “O hospital tem que sair cada vez mais para fora das suas paredes”.
“O hospital tem que sair cada vez mais para fora das suas paredes”.
O presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI) considera que estamos “longe de uma cultura centrada no doente”, mas reconhece que “pela primeira vez no Sistema Nacional de Saúde, estão a ser criados incentivos para estimular a integração de cuidados entre os hospitais, entre os CSP, os cuidados continuados, a segurança social, a assistência social e os cuidados paliativos”. E este é, segundo Luís Campos, o primeiro passo para uma Medicina centrada no doente.
Face às alterações demográficas e ao aparecimento de um novo padrão de doentes (pessoas mais idosas, polimedicadas, com multimorbilidades) o especialista considera que “é fundamental que abandonar uma forma de abordagem do sistema de saúde separada por vários níveis de cuidados e que entendamos que a grande oportunidade de mudança está na integração e na articulação destes diferentes níveis de cuidados. É também essencial que essa articulação envolva a assistência social porque neste momento, os hospitais estão transformados em centros de resolução dos problemas sociais das pessoas”.
O internista na base da decisão
A integração de cuidados beneficia particularmente os doentes idosos , frágeis e com multimorbilidades. Este modelo de articulação deve ser baseado em equipas multidisciplinares, em que a Medicina Geral e Familiar e a Medicina Interna são as especialidades basilares, que devem partilhar o registo do doente e cooperar para estabelecer um plano de cuidados consensualizado. As unidades de cuidados integrados representam a concentração numa única equipa hospitalar da referenciação a partir dos cuidados primários, e deverá ser esta unidade a articular e orientar o doente dentro do hospital.
Contudo, para dar resposta a este novo modelo de organização hospitalar, seriam necessários mais especialistas em Medicina Interna. Tem sido significativo o número de internos que tem entrado para a formação específica em Medicina Interna mas a necessidade da Medicina Interna tem crescido a um ritmo mais acelerado do que o número de internos que tem entrado. “Apesar de, neste momento, termos cerca de mil internos em formação, o tipo de doentes que hoje temos nos hospitais necessita cada vez mais desta abordagem holística”, refere Luís Campos.
Importância da MI “ainda não é devidamente reconhecida”
Embora tenham passado os tempos em que era questionado o lugar da Medicina Interna dentro dos hospitais, Luís Campos acredita que ainda é preciso defender o papel da especialidade na medida em que “ainda há tensões” com outras especialidades com áreas de sobreposição. “Ainda não conseguimos criar um clima de colaboração e de confiança, em que cada uma das especialidades entende a função da outra. Dessa colaboração só pode resultar um benefício para os doentes”, defende.
Por outro lado, “o papel nuclear que a Medicina Interna ocupa nos hospitais ainda não é devidamente reconhecido, tanto em termos económicos como em termos de respeito pelo trabalho que desenvolvemos”.
Criar novas áreas de competência e não novas especialidades
Ao abraçar estas novas áreas, os especialistas em Medicina Interna devem capacitar-se com novas competências, porque são áreas específicas de conhecimento. “Nós defendemos que não devem aparecer mais especialidades nesta área, as competências permitem fazer tudo o que as especialidades fazem, mas a criação de novas especialidades é um caminho sem retorno que condena um jovem licenciado a uma atividade até à reforma, sem capacidade de acumulação com outro tipo de atividade, áreas que são de elevado burn out. Por outro lado quanto mais especialidades criarmos mais segmentamos os hospitais e mais dificultamos a gestão dos recursos. Estão neste caso competências como as de emergência, cuidados paliativos ou em geriatria.