Apneia do sono aumenta em 2 a 12 vezes o risco de mortalidade
“Paragens respiratórias que se repetem durante a noite” é assim que Paula Pinto define a apneia obstrutiva do sono, uma doença que pode desencadear perturbações do humor, da concentração, da memória, hipersonolência diurna e até patologia cardiovascular. Apesar de os doentes facilmente se acomodarem aos sintomas, a Coordenadora da Unidade de Sono e Ventilação não Invasiva do Serviço de Pneumologia do CHLN e professora da Faculdade de Medicina de Lisboa recomenda uma visita ao médico para a implementação do tratamento mais adequado.
Raio-X (RX) – O que é a apneia do sono e de que forma pode condicionar a qualidade de vida dos doentes?
Paula Pinto (PP) – A apneia obstrutiva do sono é uma situação caracterizada por paragens respiratórias que se repetem várias vezes ao longo da noite e que originam diminuição dos níveis de oxigénio no sangue e despertares. Estes levam a uma má qualidade do sono, que pode traduzir-se em perturbações do humor, concentração e memória, bem como hipersonolência diurna, condicionadoras de uma má qualidade de vida pessoal, social e laboral e a um aumento de acidentes de viação e laborais, uma vez que o doente pode adormecer com facilidade a conduzir ou no local de trabalho. Por outro lado, a redução dos níveis nocturnos de oxigénio no sangue podem levar a um aumento do risco de doenças cardiovasculares, como hipertensão arterial, enfarte e arritmias.
RX – O que é que os portugueses devem saber sobre a apneia do sono e ainda não sabem?
PP – A apneia obstrutiva do sono é um distúrbio respiratório com elevada prevalência na população e com enormes consequências a nível socioeconómico, sendo considerada actualmente um problema de Saúde Pública, na medida em que as suas repercussões neuropsicológicas propiciam a ocorrência de acidentes laborais e de viação. As complicações cardiovasculares condicionam um aumento da morbilidade e mortalidade dos doentes.
A apneia do sono é de instalação progressiva ao longo de vários anos manifestando-se inicialmente predominantemente durante a noite, sem que o doente se aperceba. Desta forma, o doente com apneia do sono tende a subvalorizar os sintomas e poderão decorrer vários anos desde o início dos mesmos e a procura de uma consulta médica.
Atendendo a este facto, o seu diagnóstico é fundamental para proceder ao seu tratamento de forma atempada. Assim, todos os doentes com suspeita de apneia obstrutiva do sono devem ser orientados para uma consulta especializada, a fim de se fazer um diagnóstico e tratamento correctos, uma vez que a terapêutica desta entidade é muito eficaz, levando ao desaparecimento das alterações neuropsicológicas, nomeadamente das perturbações do humor, concentração e memória bem como da hipersonolência diurna. O tratamento diminui também grandemente as complicações cardiovasculares.
RX – Que causas estão por detrás desta condição clínica?
PP – A principal causa da apneia obstrutiva do sono é a obesidade. O aumento de 6 kg/m2 no índice de massa corporal condiciona um risco quatro vezes maior de desenvolver apneia obstrutiva do sono.
No entanto, existem diversas patologias que conferem uma maior probabilidade de desenvolver apneia obstrutiva do sono, nomeadamente doenças endocrinológicas como hipotiroidismo e acromegalia, doenças congénitas como síndrome de Down e alterações craneofaciais como micrognatismo e retrognatismo.
Obesidade é o principal fator de risco
RX – Que fatores de risco podem ser corrigidos no sentido de minimizar a apneia do sono?
PP – Os doentes devem adoptar estilos de vida saudáveis, aconselhando-se a perda de peso nos doentes obesos e a evicção do tabaco e de bebidas alcoólicas.
RX – Que sintomas ou sinais de alerta dos doentes com apneia do sono os devem levar a pedir ajuda médica?
PP – Os doentes com apneia obstrutiva do sono são frequentemente obesos, com um ressonar muito intenso, com pausas respiratórias visualizadas durante o sono, sensação de sono não reparador, alterações de concentração, atenção e memória, diminuição da líbido, nomeadamente disfunção eréctil nos homens e hipersonolência diurna.
Os doentes podem apresentar doenças cardiovasculares, nomeadamente hipertensão arterial, doença coronária e arritmias.
RX – De que forma o problema pode ser contornado? Quais as soluções terapêuticas?
PP – A terapêutica mais eficaz é a utilização durante a noite de um dispositivo gerador de pressão positiva, denominado CPAP, que funciona através de uma máscara que se aplica no nariz e que fornece ar a uma pressão contínua, impedindo que as vias respiratórias fechem, não ocorrendo assim as paragens da respiração. Desta forma, com o CPAP a pessoa respira normalmente durante a noite, permitindo um sono reparador levando ao desaparecimento da hipersonolência diurna e diminuindo grandemente o risco de doenças cardiovasculares.
RX – Com que outras comorbilidades, para além da patologia respiratória, a apneia do sono pode estar relacionada?
PP – A apneia do sono pode levar a um aumento do risco de doenças cardiovasculares, como hipertensão arterial, enfarte, arritmias e diabetes. Os doentes também podem apresentar hipotiroidismo que pode ser uma das causas da apneia do sono.
RX – Os doentes com apneia do sono têm um maior risco de mortalidade?
PP – A apneia do sono pode levar a um aumento do risco de doenças cardiovasculares, tendo estas sido apontadas como responsáveis pelo aumento da mortalidade observada nestes doentes. Por outro lado, tendo em conta que a apneia do sono leva a hipersonolência diurna e a redução da concentração e da atenção, é uma condição clínica que está associada a um risco aumentado de acidentes de viação comparativamente à população geral, estimando-se que esse risco varie desde 2 até 12 vezes.