Cancro do colo do útero: o segundo maior inimigo das mulheres jovens e em idade fértil
Opinião de Maria Amália Pacheco, ginecologista e coordenadora da Unidade de Patologia do Colo, no Centro Hospitalar e Universitário do Algarve (Unidade de FARO)
O HPV, Papilomavírus Humano, faz parte de uma família de vírus, a Papillomaviridae. Os mais de 200 genótipos de HPV identificados encontram-se classificados consoante o seu potencial oncogénico: genótipos de baixo risco e de alto risco, bem como em genótipos de possível alto risco. Os genótipos de HPV de alto risco são responsáveis por cerca de 99,7% dos casos de cancro do colo do útero.
O desenvolvimento de cancro do colo do útero está sempre associado à infeção por este vírus. Trata-se de um vírus que se pode transmitir facilmente ‘pele com pele’, através do contacto sexual – genital ou oral. Por esta razão, a infeção por HPV é a infeção de transmissão sexual mais prevalente nas populações jovens.
Os tipos de HPV 16 e 18 são os dois tipos considerados de mais alto risco, uma vez que estão diretamente implicados na génese de 75% de todos os casos de cancro do colo do útero. Também tem uma presença significativa em todas as lesões percursoras desta doença maligna. Estas lesões acontecem como resposta à infeção e persistência do vírus no organismo em pacientes cujo sistema imunitário não atua como deveria, promovendo a sua eliminação. Este mecanismo de defesa é responsável pela resolução da maior parte das infeções por HPV, sem que chegue a existir doença.
Quando isto não acontece a evolução da doença faz-se através de uma continua série de estádios entre lesão de baixo grau, lesão de alto grau e o estádio de invasão. Esta sequência evolutiva pode demorar dois, cinco, dez ou vinte anos. As diferenças entre o tempo e o tipo de evolução da infeção estão relacionadas com diversos fatores, entre os quais o tipo de HPV que está implicado naquela doença e o sistema imunitário da mulher.
A grande morbilidade e o receio subjacente às infecções por HPV têm na base o risco oncogénico.
De acordo com dados da Centers for Disease Control and Prevention (CDC), mais de 90% dos cancros do colo do útero têm subjacente uma infeção persistente por HPV de alto risco. No entanto, é ainda reconhecido o papel do HPV de alto risco em 90% dos carcinomas anais, 70% dos carcinomas da vagina e vulva, e em mais de 60% dos cancros do pénis e da orofaringe.
São várias as lesões associadas à infeção por HPV, sendo que, a nível cutâneo, as mais frequentes são as verrugas comuns, principalmente na infância. Os condilomas acuminados ou verrugas genitais podem ser identificadas ao longo de todo o períneo, mas também a nível vaginal, cervical ou no canal anal.
A evolução na vacinação
Em 2008, foi introduzida a vacina tetravalente (que engloba os vírus 6, 11, 16 e 18) no Plano Nacional de Vacinação (PNV), passando a ser administrada a meninas com 13 anos de idade, com repescagem de jovens com 17 anos durante os três anos iniciais do programa. Em janeiro de 2017, é introduzida no mercado a nova vacina nonavalente (para nove tipos de HPV: 6, 11, 16, 18, 31, 33, 45, 52 e 58), passando a ser administrada em meninas com 10 anos de idade, em esquemas de duas doses (0 e 6 meses).
Estas vacinas não contêm material genético, tendo, por isso, um perfil de segurança bem definido. Estudos prevêem que a vacinação de uma população HPV-naive conduza a uma redução de 50% da prevalência de lesões de alto grau e de 70% de cancro do colo do útero, sendo assim vista como uma medida de grande eficácia e com impacto real na doença.
Antecedentes de alterações citológicas, condilomas ou outras infecções por HPV não contraindicam a vacinação. Apesar das propriedades profiláticas inerentes às vacinas, estas apenas conferem proteção contra os serótipos que incluem. A vacina quando administrada antes do início da vida sexual, revela proteção eficaz para 98% de todas as lesões provocadas pelos HPV incluídos na vacina e contra as lesões precursoras que antecedem uma lesão invasiva.
No entanto, uma vez que as vacinas não incluem todos os serótipos conhecidos e que muitas mulheres são vacinadas em fase pós-infeção, é mantida a necessidade de rastreio de cancro do colo do útero. Esta medida de prevenção secundária, efetuada atualmente por citologia do colo do útero, continua a desempenhar um papel fundamental na deteção precoce e no tratamento de lesões pré-neoplásicas e neoplásicas.
A vacinação tem demostrado ser uma das armas mais eficazes e custo-efetivas em termos de Saúde Publica. Veio introduzir novos horizontes na prevenção dos cancros causados por este vírus. É, por isso, fundamental a adesão de medidas de prevenção primária (vacinação contra HPV e programas de educação para a saúde sexual) e, posteriormente, de prevenção secundária (rastreio do cancro do colo do útero).