Inicialmente assintomático, glaucoma é a segunda causa de cegueira e afeta 200 mil portugueses
O glaucoma é uma doença neurodegenerativa, oftalmológica, na qual o nervo ótico se encontra danificado, induzindo um aumento da pressão intraocular (PIO). Segundo a Organização Mundial de Saúde, esta patologia é a segunda causa de cegueira no mundo, afetando mais de 100 mil pessoas em Portugal. Evolui de forma lenta e progressiva, provocando lesões irreversíveis no nervo ótico. No entanto, António Figueiredo, Presidente do Grupo Português de Glaucoma da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia, afirma que “é efetivamente possível prevenir com sucesso a progressão da doença para formas graves que comprometem a visão”. Atualmente existem tratamentos inovadores para o glaucoma que permitem “reduzir a pressão intraocular até 40%” assegura Pedro Faria, Oftalmologista da Unidade de Glaucoma do Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
RaioX (RX) – O Glaucoma é uma perturbação que causa a cegueira irreversível. Como acontece? A que está associada esta lesão?
António Figueiredo (AF) – O glaucoma surge na sequência do aumento da tensão ocular, que pode ter origem em diversas causas. Consiste, mais frequentemente, em distúrbios do circuito do humor aquoso – o fluido que alimenta a córnea e o cristalino e que regula a pressão interna do olho – produzido no corpo ciliar, gerando uma drenagem ineficiente do mesmo, provocando assim uma pressão elevada na câmara anterior do olho. Por outro lado, o glaucoma pode ter também origens congénitas, sendo esta vertente especialmente relevante quando associada à obstrução do trabéculo através da persistência da membrana de Barkan, do depósito de pigmentos ou da oclusão do ângulo irido-corneano. O glaucoma pode também, em alguns casos, ser secundário a algumas doenças, destacando-se a diabetes, doença que também provoca lesões na retina, conhecidas como a retinopatia diabética, que, se não forem tratadas na sua fase inicial, podem provocar glaucoma neovascular, um dos mais difíceis tipos desta doença.
RX – Existem dois tipos de glaucoma: de ângulo aberto e de ângulo fechado. Como os distingue e caracteriza?
AF – O glaucoma de ângulo aberto é o mais comum, pautando-se por um aumento constante e progressivo da pressão intraocular e consequente perda de visão e de campo visual. No glaucoma agudo ou de ângulo fechado, a pressão intraocular sofre um aumento abrupto, dando origem a sintomas como a diminuição súbita da visão, olho vermelho e dor ocular intensa, chegando a originar náuseas e vómitos. Estas crises assumem-se como uma urgência clínica que, caso não seja assistida por um médico nas primeiras horas, pode dar origem a cegueira de forma irreversível. Há ainda outros tipos de glaucoma, como o já referido glaucoma congénito, que acompanha o doente desde a sua nascença, e outros glaucomas secundários, por exemplo os que derivam de alguns tipos de medicação.
RX – Quais são os principais sinais de alerta para o possível diagnóstico do glaucoma?
AF – É muito difícil detetar a doença na sua primeira fase, uma vez que é, geralmente, silenciosa em termos de sintomas. Quando surge, o primeiro sinal evidente, a perturbação da visão ou perda de campo visual, é já muito difícil conseguir abrandar a progressão da doença. Ao contrário do que é habitualmente veiculado, as perturbações iniciais da visão não são manchas escuras nem visão semelhante a um túnel. O que acontece verdadeiramente é que as lesões no nervo ótico farão com que o olho não consiga percecionar determinadas áreas do nosso campo de visão. No entanto, o cérebro, devido à sua elasticidade, fará um esforço para preencher esses espaços com informação semelhante àquela que está a receber em seu redor, não existindo qualquer indicação de dor ou inflamação. Assim, a título de exemplo, o doente com glaucoma poderá não ver um sinal de trânsito, uma vez que essa área do seu olho se encontra danificada. No entanto, no lugar do sinal de trânsito, não verá uma mancha negra, mas sim uma continuação da paisagem envolvente, como a continuação do chão ou um muro. É por esta razão que o glaucoma é assintomático na sua fase inicial, mas causa perceção visual deformada da realidade que nos rodeia.
RX – De que forma podemos prevenir o glaucoma?
AF – Infelizmente, ainda não é possível prevenir o glaucoma, apesar dos grandes avanços científicos que têm sido levados a cabo nos últimos anos. O que é efetivamente possível prevenir com sucesso é a progressão da doença para formas graves que comprometem a visão. Para tal, é vital a realização de um diagnóstico precoce para dar início, desde logo, ao tratamento correto. A medição periódica da pressão intraocular, a campimetria e a tomografia ótica (OCT) são as ferramentas de diagnósticos mais eficazes na prevenção do glaucoma, especialmente em adultos com mais de 40 anos.
RX – Qual é a faixa etária mais propícia ao glaucoma?
AF – O glaucoma primário é uma doença predominante nos adultos, com especial incidência de risco nos adultos com mais de 60 anos, sendo essencial que todas as pessoas com mais de 40 anos façam consultas de oftalmologia de forma regular, para medir e verificar a pressão ocular e avaliar o estado do nervo ótico. As pessoas com antecedentes familiares de glaucoma representam um importante grupo de risco. No entanto, os glaucomas secundários a medicamentos ou a outras doenças, como a diabetes, podem na realidade surgir em qualquer idade.
RX – Como é feito o tratamento do glaucoma?
AF – Existem várias opções para o tratamento farmacológico, sob a forma de colírio, com uma ou duas substâncias ativas na sua formulação. Geralmente, começa-se com uma monoterapia e, caso não seja suficiente, pode acrescentar-se um segundo ou até mesmo um terceiro fármaco. Estão disponíveis várias classes terapêuticas, como as prostaglandinas, betabloqueadores, inibidores da anidrase carbónica, etc. A cirurgia é em geral, o último recurso, sendo necessária quando não se consegue controlar a pressão intraocular e visa diminuir a produção do humor aquoso ou aumentar a sua drenagem para os tecidos exteriores ao olho. Esta pode ser realizada por laser, representando poucos riscos para o doente, mas geralmente menor eficácia. A cirurgia pode necessitar de ser complementada com tratamento medicamentoso, uma vez que o glaucoma pode sofrer agravamentos mesmo após o procedimento.
RX – O tratamento difere face ao tipo de glaucoma?
AF – Os tratamentos referidos dizem respeito às mais frequentes formas de glaucoma – os de ângulo aberto. O glaucoma congénito, por exemplo, tem indicação cirúrgica específica e imediata. Os glaucomas de ângulo estreito podem ser prevenidos por procedimentos laser, mesmo antes de estar indicado qualquer colírio.
RX – Existe cura para o glaucoma?
AF – O glaucoma não tem cura nem é possível reverter a sua evolução. No entanto, é possível controlar de forma bastante eficaz a doença, para que o doente com glaucoma possa ter uma vida perfeitamente normal. Quanto mais precoce for o diagnóstico, maior será a taxa de eficácia no controlo e menorização de danos.
RX – Quantas pessoas é que sofrem de glaucoma, mundialmente e em Portugal?
AF – Atualmente estima-se que 60 milhões de pessoas sofram de glaucoma em todo o mundo. Este número aumenta em 2,4 milhões a cada ano, pelo que em 2020 haverá quase 80 milhões de doentes com glaucoma. Estes são números assustadores que vêm alertar e dar força à importância da deteção precoce e do tratamento adequado. Em Portugal, estima-se que mais de 200 mil pessoas sofram das diferentes formas de glaucoma; no entanto, por ser inicialmente assintomático, há uma percentagem elevada de casos não diagnosticados.
A mais recente inovação terapêutica de combinação fixa sem conservantes para combater o glaucoma, chega a Portugal: Taptiqom®
RX – Desde setembro, encontra-se disponível em Portugal o Taptiqom®. Quais são os grandes benefícios desta terapêutica?
Pedro Faria – Uma das mais recentes inovações no tratamento farmacológico do glaucoma é o Taptiqom®,que combina Tafluprost® e Timolol®. Graças à combinação de duas substâncias ativas, consegue-se uma redução da pressão intraocular até 40% em doentes cuja pressão intraocular é muito elevada – acima de 30 mmHg. Entre as vantagens deste novo fármaco aprovado pelo INFARMED, destaca-se a ausência de conservantes, pelo que Taptiqom não é só eficaz na prevenção do agravamento da lesão do nervo ótico, como também evita os efeitos associados aos conservantes. Por outro lado, estes benefícios aliados à simplificação da terapia melhoram a adesão do doente ao tratamento.
Por Rita Rodrigues