Estilo de vida dos portugueses tem impacto negativo na sua saúde digestiva
Já não é possível pensar-se no corpo humano como um conjunto de peças sem ligação entre si. Todos os dias surgem novas hipóteses e evidências que sugerem a interligação de todos os aparelhos, e este estudo acaba por ser mais uma delas. Desta forma, especialistas das áreas da alimentação, sono, atividade física, stress e digestão juntaram-se para analisar o impacto do estilo de vida dos portugueses na sua saúde digestiva.
O estudo sobre a saúde digestiva dos portugueses, sugerido por Activia, e desenvolvido pela Marktest com os especialistas Ana Bravo (alimentação), Filipa Jardim da Silva (sono), Rui Pinto (digestão), Sofia Castro Fernandes (stress) e Sofia Veiga (atividade física), tem por objetivo desenhar um retrato do estado da saúde digestiva dos portugueses, percebendo como a entendem e quais os indicadores mais proeminentes. Assim, para além de explorar a relação entre os comportamentos ao nível da alimentação, sono, atividade física e stress com o sistema digestivo, elucida-nos também sobre os hábitos que temos em cada uma das quatro dimensões comportamentais, sendo as principais conclusões identificadas pelos especialistas de cada área.
Numa primeira fase, e acima de tudo, a primeira conclusão que o estudo apresentou foi a falta de conhecimento sobre o tema. Isto porque conclui-se que aproximadamente 57% dos inquiridos afirmam que a sua saúde digestiva depende da alimentação e apenas 26,1% considera todos os comportamentos que vão além deste fator.
A desvalorização dos sinais de alerta também se torna um ponto-chave aquando da análise do estudo, percebendo-se que mais de 80% dos inquiridos afirmam não apresentar problemas no aparelho digestivo, o que se torna incoerente com a quantidade de sintomas que referem experienciar e com a confirmação da influência que estes sintomas têm no seu estado anímico.
Relativamente à frequência de sintomas de desconforto digestivo, 61,7% dos portugueses diz sofrer de algum sintoma de desconforto digestivo, várias vezes por mês: mais de metade dos inquiridos sofrem de barriga inchada pelo menos algumas vezes por mês (52,3%), seguindo-se uma referência a Enfartamento/digestão lenta (39,2%), Mau hálito (33,5%), Azia (30,8%), Prisão de ventre (29%), Cólicas (28,8%) e Diarreia (19,2%); ou seja, a grande maioria da população diz ter sintomas relevantes, mas desvaloriza-os, não os considerando efetivamente um problema.
Ao mesmo tempo que desvaloriza os sintomas, 67,2% da população considera que se sente afetada animicamente pelos mesmos (dos quais 15% se sentem muito afetados). Os indivíduos de maior expressão que consideram esta questão são as mulheres (41,4%), indivíduos com idades compreendidas entre os 25 e os 34 anos (39,8%) e quem apresenta um IMC equivalente à obesidade (35,8%). Curiosamente, são também estes targets que registam maior nível de stress, pior qualidade de sono, menor atividade física e uma alimentação rica em açúcares e/ou gorduras e salgados.
Pelos resultados obtidos com o estudo sobre a saúde digestiva dos portugueses parece existir uma relação entre os maus hábitos dos indivíduos ao nível da alimentação, mas também ao nível do stress, sono e atividade física, uma vez que os indivíduos que registam mais sintomas de desconforto digestivo são os que também dizem dormir pior, ter uma alimentação pouco equilibrada, registam maiores graus de stress e menor atividade física:
- Parece haver maior incidência de sintomas naqueles que não praticam qualquer atividade física (35,5%), comparativamente com os que o fazem de forma regular (21,6%).
- Dos indivíduos que afirmam ter um sono “reparador” apenas 42,1% dizem ter sintomas de desconforto digestivo, dos que afirmam ter um sono “perturbado” 63,9% mencionam ter sintomas de desconforto digestivo.
- 56,7% dos portugueses que assumem o seu dia como stressante dizem sofrer de um ou mais sintomas de desconforto digestivo, enquanto os que não consideram o seu quotidiano stressante apenas 37% apresenta sintomas.
- 57,9% dos inquiridos que consomem doces “quase todos os dias” referem ter sintomas de desconforto digestivo, valor que desce para 46% quando o consumo passa a ser “poucas vezes por semana”.
Para os especialistas envolvidos no desenvolvimento do estudo sobre a saúde digestiva dos portugueses, os resultados não são totalmente surpreendentes, mas merecem atenção. A população continua a ter comportamentos pouco saudáveis que, naturalmente, podem comprometer o seu bem-estar e, em particular, a sua saúde digestiva.
“Ainda não existe uma consciência da importância de fazer exercício físico. Os benefícios são inúmeros, mas mesmo assim a população não vê a atividade física como forma de prevenção de doenças e melhorias a tantos outros níveis. Colocar o exercício físico no dia-a-dia é tão importante como fazer as refeições diárias. Por isso, é natural que ainda haja um défice de conhecimento sobre a influência da atividade física numa boa saúde digestiva; ou porque as pessoas não praticam atividade física e não têm como associar/provar que o exercício ajuda à saúde digestiva, ou simplesmente porque não têm conhecimento desse benefício. Uma coisa é certa, se começar a fazer exercício físico, uma das alterações que poderá sentir de imediato é na sua saúde digestiva”, refere Sofia Veiga, especialista em atividade física.
“O mesmo tipo de conclusões foram também registadas em 2016, por um grupo de cientistas suecos e alemães: foram uns dos primeiros a investigar o impacto do sono insuficiente na composição do microbioma humano. É um pequeno estudo que incluiu nove homens saudáveis, jovens e com peso normal. Nenhum dos participantes sofria de distúrbios do sono, e todos tinham padrões regulares de sono e padrões alimentares regulares. Depois de apenas duas noites de privação parcial de sono, os cientistas registaram uma diminuição significativa nos tipos de bactérias benéficas, mudanças na composição de microrganismos no microbioma que estão ligados especificamente à obesidade e diabetes tipo 2 e uma diminuição significativa na sensibilidade à insulina. Assim, para uma boa saúde digestiva é fundamental que exista um sono em quantidade e qualidade adequadas de forma regular”, evidencia Filipa Jardim da Silva, especialista em sono, acrescentando que “uma baixa qualidade de sono ou qualquer tipo de distúrbio de sono pode interferir com o equilíbrio da microbiota intestinal, o que pode comprometer o sistema imunitário e tornar o corpo mais vulnerável a um conjunto de alterações/ desequilíbrios como, bruxismo, diminuição de energia, oscilações de humor e de ansiedade, dificuldade em manter um peso saudável e diminuição dos níveis de atenção e desempenho cognitivo. Um intestino pouco saudável e uma saúde digestiva debilitada podem constituir uma ponte entre sono de pouca qualidade e declínio cognitivo à medida que se avança na idade. Assim, percebe-se que a alimentação, a gestão dos níveis de stress, a prática de exercício físico e o sono influenciam-se mutuamente e de forma sinérgica podendo interferir na qualidade da saúde digestiva”.
Sofia Castro Fernandes, especialista em stress, refere que, “como podemos ver com maior detalhe nas conclusões sobre o stress dos portugueses, o stress pode desencadear um conjunto de estados de ansiedade, irritabilidade, dificuldade de concentração que se agravam pela fraca qualidade de sono generalizada tal como este estudo sugere. Logo, com elevados níveis de stress e um descanso desajustado, o corpo pode acabar por não conseguir o equilíbrio necessário para o seu funcionamento em pleno, o que se reflecte, obviamente, no funcionamento do aparelho digestivo, na saúde digestiva.”
“Todo o desgaste emocional (stress e falta de descanso) pode fazer com que o corpo peça energia de uma forma mais descontrolada. Nestes estados é comum ocorrerem as crises de fome ou a tendência por opções menos saudáveis (mais calóricas, com mais açúcar, gordura ou sal) que nos dão uma sensação de energia mais imediata, assim como nos levam a comer mais e mais rápido. Da mesma forma, uma atividade física insuficiente também não permite o gasto calórico dos excessos que cometemos, podendo assim dificultara manutenção de uma boa saúde digestiva”, completa Ana Bravo, especialista em alimentação.
Rui Pinto, especialista em saúde digestiva, refere mesmo que “o facto de as pessoas estarem a desvalorizar os sintomas de desconforto digestivo merece atenção e pode ser também por isso que não se têm registado mudanças significativas nos seus comportamentos; isto é, se as pessoas tiverem uma consciência imediata (ou prova) dos efeitos que os seus comportamento incorretos nas áreas da alimentação, sono, stress e atividade física podem ter, talvez as levasse a mudar hábitos. Observações como estas, que todas as pessoas podem experienciar no dia-a-dia, talvez possam fazer a diferença. Não podemos é continuar a achar que ter sintomas de desconforto digestivo todos os meses, várias vezes por mês, é algo que não merece a nossa atenção”.
Deixamos em seguida o resumo das principais conclusões sobre os comportamentos dos portugueses em cada uma das áreas afetas ao “estilo de vida”, acompanhadas pelos comentários dos respetivos especialistas.