Cancro do pâncreas: “estima-se que a incidência vá aumentar de forma drástica na próxima década”
Realiza-se a 26 de janeiro, em Lisboa, a Reunião Monotemática da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia (SPG), um encontro científico dirigido a especialistas na área da saúde com o intuito de analisar as diversas abordagens terapêuticas para os cinco tipos de cancros digestivo: pâncreas, fígado, esófago, estômago, colorretal. O cancro digestivo representa 10% da mortalidade portuguesa, um grave problema de saúde pública que tem registado um aumento nos últimos anos. Um dos tipos de cancro digestivo que tem vindo a registar maior impacto em termos de mortalidade é o cancro do pâncreas que, segundo Marília Cravo, diretora do serviço de Gastrenterologia do Hospital Beatriz Ângelo, em 2017 registou “cerca de 1500 novos casos”, número que apresenta “uma grande tendência para aumentar”.
RAIO-X (RX) – Qual é a razão para o cancro do pâncreas ter uma mortalidade tão elevada?
Marília Cravo (MC) – A principal razão é porque o cancro do pâncreas é muitas vezes diagnosticado numa fase tardia, em que a cirurgia, a única terapêutica curativa, já não é viável. Por outro lado, se é verdade que o tratamento da doença oncológica deve ser sempre multidisciplinar, o cancro do pâncreas é o exemplo típico de como essa multidisciplinaridade é fundamental para um tratamento de sucesso. Assim, a cirurgia é muitas vezes precedida e seguida de quimioterapia ou de quimioterapia/radioterapia. Esta combinação de tratamentos nos vários timings da doença é fundamental para um bom resultado. Os doentes devem ser tratados em centros de referência, nos quais os vários métodos de diagnóstico e as várias opções de tratamentos estejam disponíveis de forma a haver uma boa articulação.
RX – Apesar de ser um cancro com uma taxa de mortalidade elevada, tem havido avanços na investigação clínica?
MC – Têm existido muitos avanços em termos de perceber a Biologia desta doença, de identificar as lesões precursoras, de as distinguir de outras lesões sem risco, de melhorar a técnica cirúrgica. Recentemente foi também publicado um estudo que demonstrou que a realização de um determinado esquema de quimioterapia depois da cirurgia aumenta a sobrevida a longo prazo de uma forma muito marcada.
RX – É um cancro com tendência a aumentar nos próximos anos?
MC – Estima-se que a incidência deste cancro vá aumentar de forma drástica na próxima década tornando-se o cancro digestivo com maior mortalidade. Embora o cancro da mama seja o mais frequente da mulher, os novos casos/ano de cancro do pâncreas já começam a aproximar-se destes números.
RX – Quais são as causas do cancro do pâncreas?
MC – A causa exata é desconhecida, embora estejam, seguramente, implicados fatores ambientais (excesso de peso, sedentarismo, alcoolismo e tabagismo), bem como fatores genéticos e/ou hereditários. Uma história de cancro do pâncreas nos pais ou irmãos aumenta a probabilidade de um indivíduo desenvolver essa doença, pelo que deve ser seguido e realizar exames de rastreio ou de diagnóstico precoces. A infeção pela bactéria Helicobacter pylori, classicamente associada a um risco aumentado de cancro do estômago, também aumenta o risco de cancro do pâncreas.
RX – Qual a esperança média de vida de um doente com cancro do pâncreas?
MC –Depende muitíssimo do estádio em que a neoplasia é diagnosticada. Pode ir de meses ou semanas, se a neoplasia já estiver metastizada, a anos se for operável e tratada com quimioterapia
RX – Quais são os sinais que o doente não deve ignorar?
MC – Dor abdominal, tipo moínha, por vezes não muito intensa, mas persistente e, sobretudo, uma crescente perda de peso. Um sintoma de alerta é o aparecimento recente de uma diabetes associada a uma perda de peso. Outras vezes é um doente com uma diabetes já conhecida, mas que se torna, de repente e sem razão aparente, difícil de controlar. Finalmente um sinal de alarme – icterícia – coloração amarelada da pele e escleróticas acompanhada de urina de cor escura.
RX – Qual é a taxa de sobrevivência dos doentes com cancro no pâncreas?
MC –Infelizmente não existem dados nacionais, o que é de lamentar pois uma base nacional destes dados seria muito útil até para o próprio doente que vai escolher o sítio onde quer ser tratado. No hospital onde trabalho, Hospital Beatriz Ângelo em Loures, que é um centro de referência para o tratamento do cancro do pâncreas, auditado de forma regular e independente pelas autoridades competentes, os doentes que são operados a cancro do pâncreas e que completam o tratamento com quimioterapia ou quimioterapia/radioterapia, têm sobrevidas aos 2, 3 e 5 anos de 65, 60 e 42% respetivamente. Estes números são muito positivos quando comparados com as melhores séries publicadas e resultam sobretudo de um trabalho de equipa entre Cirurgiões, Oncologistas, Gastrenterologistas e Radioterapeutas.
Por Rita Rodrigues