Tecnologia ao serviço da Diabetes tipo 1: “Num futuro próximo é provável que os doentes não tenham de medir a glicemia”
Entre os dias 24 e 27 de janeiro realizou-se, no fórum Braga, o Congresso Português de Endocrinologia, em simultâneo com a 70.ª Reunião Anual da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo (SPEDM). Além da discussão sobre o trabalho científico desenvolvido nas áreas clínicas e de investigação e da partilha de conhecimentos, boas práticas, experiências e estratégias, este ano o congresso teve uma conferência focada no papel da tecnologia na gestão e controlo da diabetes tipo 1 (DT1), conduzida pelo especialista alemão Thomas Danne, diretor do departamento de Pediatria Geral e Endocrinologia/Diabetologia do Hospital On the Bult, Hannover Medical School, na Alemanha. O Raio-X entrevistou Thomas Danne sobre as mudanças que a tecnologia pode trazer para a área da DT1.
Raio-X (RX) – Numa sociedade cada vez mais dependente da tecnologia, em que medida considera que a mesma pode permitir uma mudança na gestão da diabetes tipo 1?
Thomas Danne (TD) – No meu ponto de vista, enquanto uma “cura” para a DT1 com o transplante de células produtoras de insulina não é ainda uma opção, soluções tecnológicas como o chamado “circuito fechado” para reposição de insulina e regulação através de bombas de insulina e sensores de glicose, disponibilizados recentemente, produziram já grandes progressos.
Estes sensores contínuos de glicose são agora mais baratos e mais eficientes é, por isso, provável que, num futuro próximo, as pessoas com diabetes não tenham de medir o nível de glicose no sangue.
Além disso, atualmente, vários grupos de especialistas em todo o mundo trabalham diariamente para desenvolver soluções em que a administração de insulina é guiada por algoritmos baseados em leituras contínuas de glicose e outras informações, obtidas de forma digital e automatizada, sobre atividade física, rotinas diárias, etc., com a mínima intervenção da pessoa com diabetes.
RX – Numa altura em que se fala cada vez mais de individualização terapêutica, considera que este tipo de sistema (baseado em algoritmos), poderá contribuir para uma melhor qualidade de vida da pessoa com DT1?
TD – Atualmente, a necessidade de verificações de segurança, alterações nos cateteres de infusão de insulina e sensores de glicose ainda representam um fardo considerável para as pessoas com diabetes. No entanto, o tamanho dos dispositivos e os requisitos de manutenção estão a melhorar rapidamente.
Por exemplo, os sensores de glicose que podem ser utilizados por um período máximo de 6 meses ou os adesivos praticamente indolores – usados no braço por 14 dias para leituras de glicose sem calibração – já estão disponíveis no mercado e o controlo automatizado do nível de glicose noturna com os sistemas de “circuito fechado” já é seguro e eficaz. Isto permite reduzir o impacto da diabetes no dia-a-dia dos doentes pois, deixam de precisar de picar o dedo várias vezes ao dia para medir o nível de glicose.
O maior desafio são as refeições. A fim de calcular a quantidade certa de insulina para cobrir a ingestão dos alimentos, precisaríamos de uma avaliação automatizada das refeições. Hoje em dia, ainda é necessário que as pessoas com diabetes insiram manualmente no chamado circuito fechado “híbrido” os elementos da refeição, o que para além de incómodo é também uma fonte de erro considerável.
RX – Considera que os sistemas de saúde estão preparados para lidar e responder de forma célere “às necessidades” que esta tecnologia trará?
TD – Os avanços tecnológicos têm um ciclo de semivida de 18 meses. Tal como acontece com os nossos telemóveis, por exemplo, a tecnologia da diabetes está a melhorar rapidamente e isso limita a possibilidade de realizar estudos adequados de longo prazo e avaliações de segurança.
Além disso, os nossos ciclos de aprovação regulatória não estão preparados para isso e o tempo entre o desenvolvimento e a aprovação de introdução no mercado difere entre os vários países. Este atraso é considerado inaceitavel longo por muitos doentes. Assim, os doentes começam a construir os seus próprios dispositivos por autoiniciativa com orientações que encontram online. Isso leva a um dilema legal pois, os doentes pedem muitas vezes aconselhamento sobre estes dispositivos “caseiros” não aprovados oficialmente aos profissionais de saúde.
RX – E os profissionais de saúde, como é que terão de se adaptar?
TD – O sucesso da tecnologia para a diabetes depende muito da experiência da equipa de profissionais de saúde.
Educar os doentes para a programação correta dos dispositivos e para a definição de alarmes apropriados, saber lidar com questões sobre adesivos na pele ou colocação de cateteres é crucial para garantir uma boa experiência ao doente. Por isso, o mais provável é que pequenas clínicas com poucos doentes sejam incapazes de ter tempo para acompanhar as rápidas mudanças que estão a acontecer nesta área.
Serão criados centros de referência para a tecnologia da diabetes, colaborando com os prestadores locais de serviços de saúde, a fim de permitir que as pessoas com diabetes consigam usufruir dos benefícios desses avanços rápidos.
RX – Até há pouco tempo, baseávamos o controlo/não controlo de um doente no valor de HbA1c. Caminhamos para uma abordagem diferente destes conceitos?
TD – A medição do valor de HbA1c tem sido o método tradicional utilizado para avaliar o controlo glicémico do doente. No entanto, não reflete as variações glicémicas intra e inter-dia que podem levar a eventos agudos (como hipoglicemia) ou hiperglicemia pós-prandial. A monitorização contínua da glicose expõe muitas das limitações inerentes ao teste de HbA1c e às medições de glicemia através da picada do dedo.
Um consenso internacional recente recomenda expressar esses resultados contínuos através de um intervalo de tempo (TIR: geralmente refere-se ao tempo gasto na faixa de glicose alvo de 70-180 mg/dL) acrescentando informações valiosas sobre as flutuações da glicose, além daquelas conhecidas através da medição do valor de HbA1c.
RX – Em que medida os valores de HbA1c e de “tempo dentro do alvo” podem complementar-se?
TD – Até ao momento, o controlo glicémico geral, medido pelo HbA1c, continua a ser o preditor preferencial dos resultados do diabetes em pessoas com diabetes tipo 1 e tipo 2.
A relação de “intervalo de tempo” para resultados a longo prazo está menos estabelecida. Por outro lado, a identificação do tempo na hipoglicemia é tão importante quanto a medição do “intervalo de tempo” no tratamento diário de diabetes ou em ensaios clínicos. Assim, os dados contínuos de glicose devem ser amplamente disponibilizados aos doentes e o “intervalo de tempo” reconhecido pelos órgãos governamentais como um endpoint valioso e significativo a ser usado em ensaios clínicos de novos medicamentos e dispositivos para o tratamento da diabetes.
Por Rita Rodrigues