Doze sociedades médicas e científicas tomam posição conjunta: produtos de tabaco aquecido não são recomendados e apresentam graves riscos para a saúde
Doze sociedades científicas e organizações de saúde portuguesas uniram-se numa posição conjunta em relação aos produtos de tabaco aquecido por estarem “fortemente preocupadas com o surgimento de novos produtos de tabaco e com as alegações da indústria sobre o risco reduzido destes dispositivos”, refere o documento assinado pelas várias entidades.
Sociedade Portuguesa de Pneumologia, Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar/Grupo de Estudo de Doenças Respiratórias, Confederação Portuguesa de Prevenção do Tabagismo, Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular, Sociedade Portuguesa de Cardiologia, Sociedade Portuguesa de Estomatologia e Medicina Dentária, Sociedade Portuguesa de Medicina do Trabalho, Sociedade Portuguesa de Oncologia, Federação das Sociedades Portuguesas de Obstetrícia e Ginecologia, Sociedade Portuguesa de Medicina Interna e Sociedade Portuguesa de Pediatria são as entidades signatárias desta posição conjunta.
“Não devemos permitir que o debate em torno dos novos produtos do tabaco nos distraia do principal objetivo em questão – promover medidas regulatórias que sabemos serem eficazes na redução do tabagismo e continuar a apoiar aqueles que desejem parar de fumar. Em conclusão, as sociedades médicas e científicas aqui representadas não recomendam a utilização de produtos de tabaco aquecido, alertam para os seus riscos e mantêm a firme convicção de que a melhor forma de salvaguardar a saúde humana é a prevenção da iniciação de qualquer forma de consumo e o apoio médico para cessação tabágica” é a posição defendida pelo conjunto das organizações.
O documento foi elaborado e assinado numa reunião entre as doze sociedades científicas e organizações de saúde, que decorreu no dia 8 de março de 2019 na sede da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.
Posição das Sociedades Científicas Portuguesas em Relação a Produtos de Tabaco Aquecido
As Sociedades Científicas Portuguesas e Organizações da Saúde representadas neste documento estão fortemente preocupadas com o surgimento de novos produtos de tabaco e com as alegações da indústria sobre “risco reduzido” destes dispositivos.
O que são Produtos de Tabaco Aquecido?
Os Produtos de Tabaco Aquecido (PTA), frequentemente referidos pela indústria como “heat-not-burn”, são dispositivos eletrónicos com um pequeno cigarro contendo tabaco, que produzem aerossóis com nicotina e outros químicos que são inalados pelo utilizador (em Portugal comercializados com a marca iQOS).
O que torna os PTA motivo de preocupação?
Os PTA contêm nicotina, substância altamente aditiva que existe no tabaco, causando dependência nos seus utilizadores, para além de estarem presentes outros produtos adicionados que não existem no tabaco e que são frequentemente aromatizados. Outro aspecto relevante é que o uso dos PTA permite imitar o comportamento dos fumadores de cigarro convencional, podendo haver o risco de os fumadores alterarem o seu consumo para estes novos produtos em vez de tentarem parar de fumar. Por outro lado, neste contexto, constituem também uma tentação para não fumadores e menores de idade iniciarem os seus hábitos tabágicos. Actualmente, a experimentação e uso de cigarros electrónicos e outros produtos de tabaco pelos adolescentes e jovens está a sofrer um crescimento exponencial e já se demonstrou que aumenta o risco de iniciação também no cigarro convencional e noutras drogas. Finalmente, estes novos produtos impõem o risco de re-normalização do tabagismo e de uso duplo com cigarros convencionais.
Os PTA são uma forma de minimizar riscos?
Do ponto de vista de segurança e do risco para a saúde, actualmente não existe evidência que demonstre que os PTA são menos prejudiciais do que o cigarro convencional. É importante lembrar que não existe um nível de segurança para o uso do cigarro e que mesmo o consumo baixo produz doença significativa. Assim, afirmar que os PTA contêm menos tóxicos não significa que se reduza o risco de doença.
Qual a posição das Sociedades Científicas Portuguesas?
Não devemos permitir que o debate em torno dos novos produtos do tabaco nos distraia do principal objectivo em questão – promover medidas regulatórias que sabemos serem eficazes na redução do tabagismo e continuar a apoiar aqueles que desejem parar de fumar.
Em conclusão, as Sociedades médicas e científicas aqui representadas não recomendam a utilização de Produtos de Tabaco Aquecido, alertam para os seus riscos e mantêm a firme convicção de que a melhor forma de salvaguardar a saúde humana é a prevenção da iniciação de qualquer forma de consumo e o apoio médico para cessação tabágica. |
Fundamentação teórica para a recomendação
A indústria do tabaco afirma que há uma redução de 90-95% na quantidade de substâncias nocivas e na toxicidade dos PTA1. Grande parte destas alegações baseia-se em estudos publicados pela própria indústria, com conflitos de interesse evidentes, havendo muitas evidências de que não se deve confiar neste tipo de estudos. Foram encontradas substâncias nocivas em altas concentrações nos seus estudos, como material particulado, alcatrão, acetaldeído, acrilamida e um metabolito da acroleína2-6. Alguns estudos independentes encontraram concentrações mais elevadas de formaldeído em produtos de tabaco aquecido do que em cigarros convencionais7,8. Investigação independente mostrou que a acroleína é reduzida em apenas 18%9, o formaldeído em 26%9, o benzaldeído em 50%9 e o nível de nitrosaminas específicas do tabaco é um quinto do nível encontrado nos cigarros de combustão convencionais10. Além disso, a substância potencialmente carcinogénica acenafteno é quase três vezes mais alta que nos cigarros convencionais9 e os níveis de nicotina e alcatrão são quase idênticos aos de um cigarro convencional11. O primeiro estudo experimental comparando directamente os efeitos do fumo de cigarro, vapor de e-cig e aerossol do iQOS mostrou que este último provoca o mesmo tipo de danos nas células pulmonares que o fumo de cigarro, mesmo em baixas concentrações.12
É tentador recomendar aos fumadores que alterem o consumo para produtos de tabaco aquecido sem considerar todas as consequências. Experiências com, por exemplo, cigarros com filtro e light demonstraram que “produtos mais seguros” prejudicam o desejo de parar de fumar e não melhoraram a saúde dos fumadores13. Não existe evidência de que os produtos de tabaco aquecido sejam eficientes como ajuda para a cessação tabágica. O uso concomitante é muito frequente em outros produtos de redução de danos, como e-cigarros (aproximadamente 70-80%)14,15 e snuff/snus (> 40%)16 e o uso duplo de cigarros de tabaco aquecido combinados com cigarros convencionais não pode ser descartado. Finalmente, ex-fumadores e não fumadores podem sentir-se tentados a começar a usar este produto alegadamente inofensivo e uma re-normalização do tabagismo em público pode ocorrer17. A experiência com o e-cig mostra que o risco de porta-de-entrada na adição à nicotina é real, sobretudo nos adolescentes, que poderão também tornar-se consumidores de cigarros.18,19
Existe evidência suficiente sobre emissões de compostos nocivos e potencialmente prejudiciais a partir de PTA que sugerem que a exposição passiva ou em segunda mão a estas partículas é menor, mas mensurável. No caso das crianças esta exposição pode ser ainda mais prejudicial por serem particularmente susceptíveis aos efeitos do fumo passivo, devido a respirarem mais depressa, a uma maior área de superfície do pulmão e relativa imaturidade dos mesmos. As crianças são também incapazes de controlar o seu ambiente e, por isso, não podem tomar medidas para evitar a exposição ao fumo passivo.20-22 Esta mensagem deve ser clara e explícita para todos os pais e cuidadores de crianças por forma a reforçar atitudes conscienciosas para a protecção dos menores.
A Comissão Europeia sublinha que “no que diz respeito à venda, apresentação e fabrico destes produtos na UE, as disposições relevantes da Diretiva relativa aos produtos do tabaco aplicam-se e devem ser aplicadas. Isso inclui a proibição de elementos enganosos previstos no Artigo 13 e, principalmente, qualquer sugestão de que um determinado produto do tabaco seja menos prejudicial do que outros”.23
No que diz respeito à legislação Portuguesa, a Lei n.º 63/2017 “abrange no conceito de fumar os novos produtos do tabaco sem combustão que produzam aerossóis, vapores, gases ou partículas inaláveis e reforça as medidas a aplicar a estes novos produtos em matéria de exposição ao fumo ambiental, publicidade e promoção (…)”.24
Um painel científico especializado aconselhou a Food and Drug Administration (FDA) a votar contra a alegação da indústria do tabaco de que os produtos aquecidos do tabaco reduzem o risco de doenças relacionadas ao tabaco e que o iQOS está associado a menor risco do que continuar a fumar cigarros convencionais.25
A Sociedade Europeia Respiratória emitiu também um comunicado sublinhando que não pode recomendar produtos que sejam prejudiciais aos pulmões e à saúde humana, como é o caso dos PTA.26
Bibliografia: