Área Reservada

Tromboembolismo venoso: a principal causa evitável de morte intra-hospitalar

Tromboembolismo venoso: a principal causa evitável de morte intra-hospitalar

É a principal causa de morte evitável em contexto hospitalar, afeta mais mulheres do que homens e continua a ser uma doença quase desconhecida da população. Falamos do tromboembolismo venoso (TEV), uma entidade clínica que pode manifestar-se através de trombose venosa profunda (nas veias das pernas) ou de embolia pulmonar. Por vezes silencioso, o TEV “requer tratamento célere e especializado”, como explica João Pacheco Pereira. Em entrevista ao Raio-X, o médico internista do Hospital Beatriz Ângelo reforça a necessidade de a população estar alerta para os sinais do TEV.

Raio-X (RX) – O que é o Tromboembolismo Venoso (TEV)? 

João Pacheco Pereira (JPP) – Tromboembolismo Venoso (TEV) é o termo utilizado para a designação de um grupo de situações clínicas que decorrem da formação de coágulos (trombos) na circulação venosa (nas veias) e que provocam a sua obstrução e, em algumas circunstâncias, a sua migração (embolização) para outras localizações do sistema circulatório do nosso organismo. As entidades clínicas mais frequentes são a trombose venosa profunda (TVP), que ocorre mais frequentemente nas veias das pernas, e a embolia pulmonar (EP), que resulta da migração do trombo para a circulação pulmonar. O TEV manifesta-se também em localizações menos frequentes, como a circulação venosa cerebral, nos membros superiores e nas veias da circulação abdominal.

Raio-X – Como se manifesta do ponto de vista sintomático?

JPP – O TEV constitui uma das principais causas de morte cardiovascular em todo o mundo. A falta de conhecimento da população acerca deste grupo de patologias atrasa frequentemente o seu correto diagnóstico e tratamento.

Os sinais e sintomas mais frequentes de TVP nos membros inferiores são a dor local, o edema (aumento de volume do membro) e os sinais inflamatórios (calor e vermelhidão) locais. Em cerca de metades dos casos de TVP estes sinais estão ausentes, o que dificulta o seu diagnóstico. A EP manifesta-se habitualmente por dispneia (falta de ar) súbita e inexplicada, acompanhada de cansaço, ansiedade, palpitações, dor torácica ou lipotimia (sensação de desmaio).

RX – Quais são os fatores de risco para o desenvolvimento de um TEV?

JPP – Para que um coágulo de sangue se forme dentro de uma veia são necessárias algumas condições/pré-requisitos, a que os médicos chamam de fatores de risco de TEV. A idade constitui um fator de risco independente e incontornável de TEV. A imobilidade (condicionada pela idade, pelo sedentarismo, por imobilidade após doença médica aguda, trauma ou cirurgia) é considerada um dos principais fatores de risco. As doenças oncológicas e algumas doenças inflamatórias sistémicas aumentam também o risco de TEV. A hospitalização, os procedimentos endovasculares e cirúrgicos e algumas terapêuticas farmacológicas aumentam também a probabilidade de termos um evento TEV.

Sabemos também que a história familiar de TEV, a obesidade, o tabagismo e o uso de alguns tipos de contracetivos são fatores de risco relevante (embora com menor peso no risco). Na grande maioria das situações, uma TVP ou uma EP acontecem porque os doente reúnem um ou vários fatores de risco em simultâneo.

RX – É possível prevenir o TEV? Como?

JPP – Sim, é possível prevenir o TEV. Em meio hospitalar, o TEV constitui a principal causa de morte evitável. Um dos primeiros passos na prevenção é o reconhecimento e a estratificação do risco de cada doente. Os médicos devem questionar os doentes acerca da existência de familiares com TEV, dos seus hábitos e medicação, que tipo de intervenção cirúrgica vão ser submetidos, etc). Após a identificação do grau de risco a que estão sujeitos, os clínicos prescrevem os métodos de profilaxia (ou prevenção). As atitudes gerais passam pela mobilização e levante precoce dos doentes internados, a hidratação e a evicção (sempre que a patologia permita) de fármacos  potencialmente trombogénicos. Sempre que o risco de TEV o justifique, são utilizadas medidas farmacológicas (anticoagulantes) e/ou mecânicas (como as meias de compressão elástica e os dispositivos de compressão intermitente dos membros inferiores).

RX – E tratar? Em que consiste a abordagem terapêutica face à ocorrência de um TEV?

JPP – A TVP e a EP requerem observação e tratamento célere e especializado, pois podem condicionar risco de vida no imediato e/ou sequelas a longo termo. Dependendo da situação clínica, os doente podem necessitar de tratamento farmacológico para fragmentar o coagulo (tratamento fibrinolítico) ou mesmo tratamento cirúrgico para desobstrução da veia. Por vezes, são realizados tratamentos combinados (métodos fármaco-mecânicos). Na grande maioria das situações são utilizados fármacos anticoagulantes (heparina não fracionada, heparinas de baixo peso molecular, anticoagulantes diretos ou antagonistas da vitamina K) que ajudam na recanalização das veias e reduzem o risco de formação de novos coágulos. A utilização destes medicamentos varia de acordo com a identificação ou não de fatores de risco para o aparecimento do evento TEV. Para alguns doentes o tempo de terapêutica anticoagulante dura durante três meses, mas quando não existe um fator de risco bem identificado, os doentes têm que tomar estes fármacos para sempre.

“Felizmente os médicos e enfermeiros estão bastante informados acerca dos sintomas do TEV”

RX – Qual é a incidência do TEV, em Portugal?

JPP – Não é fácil estimar o número aproximado de eventos TEV. A literatura internacional aponta para uma incidência anual entre 100 a 200 por 100 000 habitantes. Em Portugal, a epidemiologia da EP é mal conhecida. De acordo com um estudo publicado na Acta Medica Portuguesa em 2016 (Gouveia M, et al. Embolia pulmonar em Portugal, Acta Med Port 2016 Jul-Aug;29(7-8):432-440), a incidência de episódios de embolia pulmonar tem vindo a aumentar em Portugal nos últimos dez anos, sendo atualmente estimada em 35 por 100 000 habitantes e maior nas mulheres do que nos homens.

RX – Apesar da existência de guidelines, alguns hospitais têm protocolos específicos para a prevenção e tratamento do TEV. Esses protocolos são cumpridos?

JPP – Nos últimos anos, os hospitais têm vindo a dar mais atenção a esta temática. Sabemos que o TEV constitui a principal causa de morte intra-hospitalar que é evitável. Neste momento temos várias formas de prevenir estas patologias, de forma eficaz e segura. Para isso, muitos centros têm investido na criação de protocolos de atuação nesta área, na nomeação de comissões de vigilância da profilaxia de TEV e também na realização de ações de formação direcionadas aos profissionais de saúde e também aos próprios doentes internados.

RX – Sente que o TEV ainda é um problema desvalorizado, nomeadamente pelos profissionais de saúde?

JPP – Não, de todo. Felizmente, neste momento, os médicos e enfermeiros estão bastante informados acerca dos principais sintomas e sinais provocados por este grupo de patologias. Paralelamente, hoje em dia, fruto do desenvolvimento tecnológico dos métodos de imagem, é muito mais fácil realizar o diagnóstico de um evento TEV.

RX – A população está sensibilizada em relação ao TEV? 

JPP – Não. A grande maioria dos doentes com sintomas de TEV não reconhece os principais sinais   da doença e tem tendência a protelar a procura dos cuidados de saúde. Lembro que a embolia pulmonar é uma patologia potencialmente fatal e o reconhecimento precoce dos sinais e sintomas que permitam um diagnóstico rápido, diminuem a sua morbilidade e mortalidade. É portanto necessário que a população tenha acesso a informação direcionada, principalmente para aqueles que se encontram em maior risco de poderem vir a ter um evento.

txt

Por Cátia Jorge