“A presença de hipertensão pulmonar persistente determina mau prognóstico e provoca incapacidade e limitação importante na qualidade de vida”
O Dia Mundial da Hipertensão Pulmonar assinala-se a 5 de maio. Em entrevista ao Raio-X, Filipa Ferreira, cardiologista e coordenadora da Unidade de Hipertensão Pulmonar do Hospital Garcia de Orta, comenta as causas, sintomas e tratamentos desta patologia de difícil diagnóstico, e destaca a campanha “Heróis do Ar”, que visa sensibilizar a população em geral para esta doença.
O que é a hipertensão pulmonar e qual a sua prevalência em Portugal e no mundo?
A hipertensão pulmonar é uma condição clínica que se caracteriza por um aumento de pressão na artéria pulmonar (pressão média da artéria pulmonar > 20 mmHg), o que condiciona um esforço adicional ao ventrículo direito para bombear o sangue. Numa fase inicial, o ventrículo direito tem mecanismos de adaptação, mas com a progressão da doença, acaba por entrar em falência o que origina insuficiência cardíaca.
A hipertensão pulmonar representa um problema de saúde global, afetando todos os grupos etários. As estimativas sugerem uma prevalência de 1% na população geral, sendo muito superior nos indivíduos com idade superior a 65 anos (cerca de 10%).
Independentemente da causa, a presença de hipertensão pulmonar persistente determina mau prognóstico e provoca incapacidade e limitação importante na qualidade de vida.
Quais as causas desta patologia?
Existem várias causas e um conjunto complexo de doenças que, através de mecanismos fisiopatológicos distintos, podem levar a hipertensão pulmonar. A classificação clínica de hipertensão pulmonar é feita em cinco grupos distintos conforme a sua causa ou mecanismo subjacente.
No grupo 1 inclui-se a hipertensão arterial pulmonar, onde a vasculatura pulmonar é diretamente afetada causando um estreitamento progressivo dos vasos pulmonares. Existem várias doenças que predispõem ao aparecimento de hipertensão pulmonar por este mecanismo como a infeção por VIH, as doenças do tecido conjuntivo (sobretudo a esclerose sistémica), a doença hepática crónica e as cardiopatias congénitas. Em alguns casos a sua causa pode ser hereditária com história familiar associada ou não e, em casos raros, a causa de hipertensão pulmonar é desconhecida, denominando-se hipertensão arterial pulmonar idiopática.
No grupo 2 estão incluídas causas de hipertensão pulmonar devido a doença do coração esquerdo como doenças valvulares e do ventrículo esquerdo. Nestes casos, a hipertensão pulmonar resulta de uma elevação da pressão nas cavidades esquerdas que se transmite passivamente para a circulação pulmonar.
No grupo 3 encontram-se doenças pulmonares crónicas que causam destruição do parênquima ou hipoxia prolongada como a doença pulmonar obstrutiva crónica, fibrose pulmonar ou apneia do sono.
No grupo 4 estão incluídas doenças que causam obstrução dos vasos pulmonares, sendo a mais frequente a hipertensão pulmonar tromboembólica crónica, que surge muitas vezes depois de uma embolia pulmonar mal resolvida.
Existe ainda um grupo 5 onde se incluem doenças que podem causar hipertensão pulmonar por mecanismos múltiplos ou mal-esclarecidos.
Quais os sinais de alerta e em que idade é mais frequente surgirem os primeiros sintomas?
O reconhecimento precoce da hipertensão pulmonar nem sempre é fácil devido à inespecificidade dos sintomas e que podem facilmente ser desvalorizados ou confundidos com outras doenças mais frequentes.
Normalmente o primeiro sintoma a aparecer é o cansaço (falta de ar) para as atividades da vida diária que exigem maior esforço, como por exemplo subir rampas ou subir escadas. Com a progressão da doença, a falta de ar surge para esforços progressivamente menores. Podem ainda surgir outros sintomas como inchaço dos pés e pernas, dor no peito, tonturas ou mesmo desmaio quase sempre associado também ao esforço. Em casos muito graves esses sintomas podem ainda aparecer em repouso.
A idade em que a doença aparece é muito variável, conforme a sua causa. A hipertensão arterial pulmonar idiopática e hereditária surge normalmente em idades mais jovens e é mais frequente em mulheres. A hipertensão pulmonar associada a outras patologias surge, normalmente, em pessoas mais velhas sem diferença entre os géneros.
De que forma se realiza o diagnóstico e qual a importância de o fazer atempadamente?
O exame de eleição para o despiste de hipertensão pulmonar é o ecocardiograma por ser um exame facilmente acessível, inócuo e de baixo custo. Quando o ecocardiograma apoia o diagnóstico, este deve ser confirmado através da realização de um cateterismo cardíaco que normalmente é realizado em centros especializados.
Um diagnóstico precoce é extremamente importante porque permite definir o melhor tratamento atempadamente alterando favoravelmente o prognóstico dos doentes.
Atualmente, quais os tratamentos disponíveis?
A escolha da melhor terapêutica depende da causa de hipertensão pulmonar. Para os grupos mais raros como hipertensão arterial pulmonar (grupo 1) e hipertensão pulmonar tromboembólica crónica (grupo 4), existem terapêuticas específicas para diminuir a pressão na artéria pulmonar – fármacos vasodilatadores pulmonares.
Para este último grupo de doentes deve ainda ser considerado para todos os doentes a cirurgia de tromboendarterectomia pulmonar como tratamento de primeira linha, potencialmente curativo. Em doentes inoperáveis ou com hipertensão pulmonar residual após cirurgia, existe ainda uma opção de tratamento por cateterismo – angioplastia pulmonar de balão. Quando se esgotam as opções terapêuticas, o transplante pulmonar deve ser equacionado.
Para as formas mais comuns de hipertensão pulmonar (associadas às doenças do coração esquerdo ou doenças pulmonares crónicas), o tratamento deve ser dirigido à doença de base. É importante salientar que atualmente não há evidência de benefício e alguns estudos demonstraram inclusivamente efeito prejudicial na utilização dos fármacos vasodilatadores pulmonares para estes grupos de hipertensão pulmonar.
De que forma se pode melhorar a sobrevida e a qualidade de vida destes doentes?
O avanço da terapêutica farmacológica nas últimas décadas permitiu melhorar significativamente os sintomas, a capacidade funcional e a sobrevida dos doentes com hipertensão arterial pulmonar.
No entanto, existem muitas outras intervenções não farmacológicas que contribuem para o sucesso do tratamento: o ensino dos doentes para redução do consumo de sal, redução da ingestão de líquidos e a sua autonomização no manejo de terapêuticas parentéricas de hipertensão pulmonar. Existem ainda benefícios de atividade física adequada, muitas vezes integrados em programas de reabilitação cardíaca orientados por profissionais. Nas situações mais graves deve ser garantido um acompanhamento multidisciplinar que inclua psicólogo, nutricionista e especialistas em cuidados paliativos. É ainda muito importante manter uma colaboração ativa entre doentes, familiares e profissionais de saúde dedicados à hipertensão pulmonar para trabalhar de acordo com os objetivos do doente.
Quais os desafios no âmbito desta patologia?
Os tratamentos farmacológicos atualmente disponíveis não são curativos e os doentes dependem de medicação para toda a vida. Além disso, os fármacos disponíveis para casos mais graves são de perfusão contínua endovenosa ou subcutânea e têm múltiplos efeitos secundários que limitam significativamente a qualidade de vida. O maior desafio para o tratamento da hipertensão pulmonar será conseguir tratamentos com maior comodidade posológica e com menos efeitos secundários. Melhor ainda, seria conseguir um tratamento com potencial curativo que permita reduzir ou mesmo suspender os fármacos vasodilatadores pulmonares.
Os profissionais de saúde estão sensibilizados para esta patologia? E a população em geral?
O esforço feito na última década para maior divulgação desta doença quer junto da população quer junto dos profissionais de saúde tem contribuído para um maior reconhecimento e referenciação destes doentes para os centros especializados. No entanto, ainda existe um longo percurso a percorrer sobretudo para encurtar o tempo desde o início dos sintomas até ao início do tratamento que muitas vezes ainda é maior do que o desejado.
No que consiste a campanha “Heróis do Ar” e quais os principais objetivos?
A campanha convida os portugueses a visualizarem e partilharem um vídeo com testemunhos de pessoas com HP que diariamente perdem momentos importantes do seu quotidiano pela falta de oxigénio, uma das principais limitações da hipertensão pulmonar e um elemento essencial à vida. Subir escadas, pegar no filho ao colo ou simplesmente caminhar são exemplos de atividades que estes doentes não conseguem realizar. Por cada visualização e partilha nas redes sociais com a hashtag #heroisdoar, no dia da efeméride (5 de maio), será doado 1 euro à Associação Portuguesa de Hipertensão Pulmonar.
A campanha tem como principais objetivos homenagear doentes e cuidadores, dar voz aos mesmos, sensibilizar a população em geral para a doença e os seus sintomas, e promover o diagnóstico precoce.
Por Marisa Teixeira