Obesidade – a Pandemia do Presente e do Futuro! Até quando vamos ignorar?
Joana Louro, Especialista em Medicina Interna do Centro Hospitalar do Oeste, partilha um artigo de sua autoria sobre uma outra pandemia, “não menos importante, não menos valorizável, e seguramente com elevado impacto em termos de morbilidade e mortalidade: a obesidade”.
A palavra pandemia invadiu as nossas casas nos últimos tempos. Passou a fazer parte do nosso vocabulário e até os mais pequeninos a reconhecem. Percebemos, da pior forma, o impacto de uma pandemia nas nossas vidas. Mudou a forma como víamos a vida, a saúde e a doença. Restabeleceu prioridades. Subjugou conceitos dados por inquestionáveis, como liberdade ou sociabilização. Gastou recursos. Roubou vidas. Consumiu-nos tempo e anos de vida… E desfocou-nos de outros problemas…
Agora que todos percebemos a força da palavra pandemia, está na altura de olharmos para outra pandemia. Não menos importante, não menos valorizável, e seguramente com elevado impacto em termos de morbilidade e mortalidade: A OBESIDADE. Ou, se quisermos ser mais abrangentes, em duas pandemias gémeas que eventualmente serão o espectro de um contínuo fisiopatológico: A DIABESIDADE (Diabetes&Obesidade).
Está na altura de nos voltarmos a focar nos verdadeiros problemas de saúde pública que teimamos em (fingir) ignorar…. Sob pena de chegarmos tarde demais. Está por isso está na altura de, de forma séria e responsável, avaliar a dimensão do problema e elaborar estratégias de intervenção eficazes.
Deixo-vos as premissas:
– A prevalência da obesidade aumentou em todo o mundo nos últimos 50 anos, atingindo níveis de pandemia. Em 2020, 650 milhões de pessoas viviam com obesidade. Em Portugal, de acordo com o Inquérito nacional de Alimentação e Atividade Física, que recolheu informações no período de 2015-2016, cerca de 6 em cada 10 portugueses têm excesso de peso ou obesidade (34,8% e 22,3% respetivamente). Estima-se que estes números tenham aumentado significativamente nos últimos anos, e que continuem a aumentar drasticamente. E é de salientar que aumenta proporcionalmente com a idade e inversamente com o nível socioeconómico.
– A obesidade é uma doença crónica. É fundamental mudar o mindset da sociedade em geral (e dos profissionais de saúde também…), que estigmatiza estes indivíduos. É um erro acreditar que chamar obeso é um insulto à sua dignidade. A obesidade é uma doença crónica, muito complexa e multifatorial. A gordura corporal anormal ou excessiva (adiposidade) compromete a saúde, aumentando o risco de complicações a longo prazo e reduzindo a esperança de vida. Não é – apenas – um problema estético e não resulta – apenas – do excesso de ingesta alimentar.
– A obesidade aumenta substancialmente o risco de doenças como diabetes mellitus tipo 2, hipertensão, enfarte agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral, demência, osteoartrite, apneia obstrutiva do sono e vários tipos de cancro. E está, como tal, associada a elevada morbilidade e mortalidade. É difícil encontrar qualquer patologia que não seja mais prevalente no individuo obeso, ou cuja obesidade não a agrave. A Covid-19 mostrou-nos isso mesmo, com as elevadas taxas de mortalidade nestes doentes.
– Para além da sua dimensão clínica, a obesidade tem ainda grandes repercussões de dimensão económica e social. Para além do impacto direto nos custos de Saúde, está ainda associada ao desemprego e à diminuição da produtividade, e assume contornos de flagelo social.
– Existem atualmente instrumentos e tratamentos farmacológicos de provada eficácia e segurança. Porém, por não serem comparticipados, o seu acesso é limitado a quem os pode pagar, e praticamente vedado aos setores mais desfavorecidos da sociedade, precisamente os mais afetados, onde é maior a incidência da doença.
Com tanta premissa, fica a mensagem:
A obesidade é uma das doenças mais prevalentes, mais subvalorizadas, menos diagnosticadas e menos tratadas da atualidade. Mais que um Problema de Saúde Pública é um Problema Prioritário de Saúde Pública!
Para o enfrentar são requeridas estratégias de prevenção, mas também de tratamento, em abordagens que combinem intervenções individuais com mudanças sociais e políticas. Abordagens que têm de envolver profissionais de saúde, mas também a sociedade civil e, naturalmente, os decisores políticos. Mas tem de ser JÁ, porque já deveria ter sido ontem!
Até quando vamos ignorar?