Produção de tabaco na Europa continua a ser subsidiada, explora trabalhadores migrantes e contamina os ecossistemas
Em linha com o tema do Dia Mundial Sem Tabaco (assinalado a 31 de maio) proposto pela Organização Mundial da Saúde – “Precisamos de comida, não de tabaco” – a Smoke Free Partnership (SFP) pede alterações na produção de tabaco. A Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) alia-se a esta iniciativa.
Factos importantes:
- A União Europeia continua a subsidiar a produção de tabaco, através da sua Política Agrícola Comum (PAC) com um valor entre 100 e os 270 milhões de euros ao longo de 5 anos.
- Trabalhadores migrantes em Itália, incluindo menores de idade, foram forçados a trabalhar 12 horas por dia sem contrato de trabalho e equipamento de proteção, recebendo apenas 3 euros/hora.
- A produção de tabaco contamina as plantações de alimentos com nicotina tóxica, representando uma ameaça à saúde pública.
“Precisamos de comida, não de tabaco.” Neste Dia Mundial Sem Tabaco, a Smoke Free Partnership (SFP) destaca que a produção de tabaco continua a ser subsidiada pela Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia, abusa de trabalhadores migrantes e contamina com nicotina plantações e vegetação.
Este ano, o Dia Mundial Sem Tabaco pretende aumentar a consciencialização sobre os danos que a produção de tabaco causa ao meio ambiente e aos trabalhadores. A SFP pede mais apoio governamental para a transição para o cultivo de culturas sustentáveis que contribuam para a segurança alimentar global.
“Existe um paradoxo político entre as iniciativas ambiciosas da EU – como o Plano Europeu de Combate ao Cancro e a estratégia “Farm to Fork” – e as práticas atuais que prejudicam a resiliência alimentar e a saúde pública”, afirma a diretora da SFP, Lilia Olefir.
Abuso de trabalhadores migrantes
De acordo com uma investigação de 2019, do The Guardian, foi relatado que trabalhadores migrantes foram abusados em plantações de tabaco na Itália, o maior produtor europeu de tabaco em rama.
O relatório revelou o abuso generalizado de trabalhadores migrantes africanos nestas plantações. Os trabalhadores, entre os quais estavam incluídos menores, foram obrigados a trabalhar 12 horas por dia, sem contrato nem equipamento de proteção, e recebendo apenas 3 euros por hora.
Como consequência direta do trabalho sem proteção, os trabalhadores relataram sintomas de “Green Tobacco Sickness”, uma doença que decorre da absorção excessiva de nicotina pela pele e pelos pulmões. Esta doença foi também diagnosticada em trabalhadores do tabaco na Polónia, o segundo maior produtor de tabaco em rama da Europa.
Produção de tabaco ameaça a saúde pública
De acordo com um outro estudo realizado em Itália, a produção de tabaco está relacionada a níveis elevados de nicotina nas plantações das áreas de produção. Estes dados confirmaram as suspeitas da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) de que a produção de tabaco está a contaminar com nicotina as plantações de alimentos.
A produção de tabaco também depende fortemente de pesticidas que poluem o solo e as águas subterrâneas. Um estudo recente da Agência Ambiental Europeia (EEA) constatou a presença de pelo menos dois pesticidas em 84% dos participantes do estudo em cinco países europeus.
O uso de pesticidas é uma grande ameaça à saúde pública, estando relacionado a doenças crónicas, como o cancro e doenças cardíacas.
Paradoxo da política
A UE continua a subsidiar a produção de tabaco através da Política Agrícola Comum (PAC), com um valor estimado entre os 100 e os 270 milhões de euros em 5 anos.
De acordo com a pesquisa da IHS Markit, a PAC está projetada para pagar cerca de 20 milhões de euros aos produtores de tabaco em rama todos os anos, totalizando 100 milhões de euros após o período de cinco anos da PAC (2023-27).
Segundo um relatório* que vai ainda ser publicado, esta estimativa é modesta. Em 2019, foram atribuídos 36 milhões de euros, para além dos pagamentos diretos, ao abrigo da “ajuda nacional transitória” aos produtores de tabaco, sistema de pagamentos que se mantém na atual PAC. Neste mesmo ano, foram também concedidos à produção de tabaco, ao abrigo da PAC, 7,8 milhões de euros. Se esta situação for mantida, a soma final estimada chegará aos 270 milhões de euros em subsídios concedidos à produção de tabaco ao longo da atual PAC.
Acabar com o financiamento da UE à produção de tabaco estaria em linha com a recomendação da Agência Europeia do Ambiente para reduzir a dependência de pesticidas químicos e preservar os sistemas de produção de alimentos na Europa.
Segundo os dados da FAO (Organização para a Alimentação e Agricultura, das Nações Unidas), Portugal apresenta um decréscimo bastante significativo na produção e cultivo de tabaco ao longo do tempo, mantendo esta atividade na Região Autónoma dos Açores, que também tem uma taxação menor dos produtos de tabaco resultante de um “benefício fiscal”. É de realçar que, segundo um estudo da Universidade de Santiago de Compostela, da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade da Beira Interior (Brandariz JR, Ravara et al, 2023) a região dos Açores destaca-se por apresentar a mortalidade causada por tabaco mais elevada em ambos os sexos. Neste contexto, a Sociedade Portuguesa de Pneumologia alerta para a necessidade de apoiar os produtores de tabaco dos Açores para desenvolverem outra atividade agrícola sustentável e rentável, que não o cultivo do tabaco.