“Passar o dia inteiro a escalar, a superar dificuldades e a desafiar-me a mim próprio, de forma livre, sem qualquer tipo de medo, faz-me sentir um verdadeiro super-herói”
Entrevista realizada em março de 2022
Natural de Trás-os-Montes, Tomás Fontes, interno de Reumatologia do Hospital de Ponta Delgada nos Açores, está em Lisboa a desenvolver a sua atividade profissional no Hospital de Santa Maria. Confessa que desde cedo desenvolveu um gosto especial pela natureza e chegou a fazer caminhadas e acampamentos com o seu grupo de amigos do liceu. Atualmente, a par da Reumatologia é apaixonado pela escalada, desporto que, quando praticado sem medo “faz-me sentir um verdadeiro super-herói”, assegurou.
Tomás Fontes nasceu em Chaves, licenciou-se em Medicina na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e rumou aos Açores, São Miguel, em 2019, para realizar o internato de Reumatologia no Hospital de Ponta Delgada. Atualmente, está a trabalhar no Hospital de Santa Maria (HSM). “Estive nos Açores até 2020 a fazer o internato da especialidade, mas por ser um centro mais pequeno e sem idoneidade formativa completa estou agora no HSM a fazer a parte do hospital central que são dois anos”, explicou.
Desde cedo confessa ter desenvolvido um gosto especial – que partilhava com os seus amigos do liceu – pela natureza e pelo seu envolvente. “Desde as alturas do liceu, eu e um grupo de amigos fazíamos muitas atividades na natureza, íamos fazer caminhadas, acampávamos, sempre em autonomia e procurávamos, em especial, zonas isoladas”. Quando atingiram a maioridade embarcaram, de mochila às costas, num interrail de 23 dias e foi durante essa viagem que ficaram com o “bichinho” da escalada. “Fomos até à Hungria e, no regresso, páramos alguns dias nos Alpes Franceses. Foi lá que tivemos, pela primeira vez, contacto com praticantes de escalada e ficámos logo com a ideia de que tínhamos de fazer aquilo, que era para ali que íamos evoluir um dia. Sempre gostámos de tudo o que fosse assim um bocadinho mais “fora da caixa” e, sobretudo, que envolvesse a natureza”. Regressaram a Portugal e a ideia de experienciarem este desporto era sempre motivo de conversa entre amigos. Isso, aliado ao gosto pela natureza fez com que, no ano seguinte, fizessem uma viagem só dedicada aos Alpes Franceses. “Fizemos uma grande caminhada a circundar o maciço do Monte Branco – Tour du Mont Blanc – que durou cerca de onze dias e, no final, acabámos em Chamonix a passar uns dias a relaxar no parque de campismo. E foi exatamente aí que encontrámos um casal de escaladores portugueses que, na altura, estavam a falar dos seus planos de escalada e decidimos meter conversa e questionar onde é que poderíamos começar a aprender e o que é que precisávamos para o fazer”. Foi exatamente no regresso desta viagem, em 2014, que Tomás decidiu, juntamente com um amigo, experimentar umas aulas de escalada na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto. “Começamos a escalar com um monitor, em paredes artificiais, e aí fomos aprendendo as técnicas, conhecendo as pessoas e desenvolvendo as nossas capacidades. Após isso, levaram-nos até à escalada outdoor – escalada em rocha -, na foz do Rio Sousa, no Parque Nossa Senhora do Salto, percebemos o material que precisávamos e comprámos o mínimo necessário a dividir pelos três – na altura não ganhávamos dinheiro e comprar uma corda de cento e tal euros não era fácil – e rapidamente começámos a escalar em rocha e foi um evoluir até agora”.
As sensações do primeiro ano
“Um misto de conquistas e contentamento, a par de muito medo e desconforto” é assim que Tomás descreve o seu primeiro ano a praticar escalada de forma autónoma, explicando que “havia sempre um grande contentamento quando as coisas corriam bem, mas depois, na maior parte das vezes, havia também muito desconforto e receio. Tínhamos de saber gerir e controlar isso, de forma a conseguirmos progredir sempre na rocha. Depois, quando chegávamos ao topo era sempre uma sensação inexplicável. Só mesmo experienciando. Foi essa sensação que nos cativou muito no início. Até estarmos completamente à vontade foi um ano e tal”. Durante esse ano de aprendizagem autónoma, Tomás ia com os amigos, nas férias de verão, para a Serra de Paços, em Mirandela, local que apelida de “a sua escola de iniciação”. “Foi na Serra de Paços que desenvolvemos as nossas capacidades sozinhos, íamos escalando vias progressivamente mais difíceis, íamos resolvendo problemas sem a ajuda dos nossos mestres e aprendemos muito ali”. Passado um ano e, já após adquirirem alguma experiência, começaram, ao fim-de-semana, a fazer viagens dedicadas à escalada sempre na descoberta de sítios diferentes. Passados estes anos todos, Tomás considera já ter “pintado várias bandeiras pelo mundo fora”.
Conciliar a vida profissional, pessoal e este hobbie
Entre o internato de Reumatologia, a vida pessoal e esta atividade desportiva, o importante, para o interno, é haver um ponto de equilíbrio. “Não é fácil conciliar tudo, mas é claramente possível. Temos de abdicar de certas coisas, quer do lado da escalada, quer do lado profissional, quer do lado familiar e afetivo. Mas acho que deve ser sempre encontrado um ponto de equilíbrio”. Confessa ser rara a semana que não consegue escalar uma única vez e, quando acontece, define como “uma semana difícil”. Para o desportista “treinar uma vez no rocódromo, fazer um treino em casa e duas idas à rocha – sábado e domingo, preferencialmente é uma semana perfeita”.
Quando questionado sobre a ligação entre a sua atividade profissional e este hobbie, o Reumatologista explicou que “ao praticar escalada sou sujeito a muitas situações de stress, a tomar decisões muito rápidas para não cair e conseguir fazer mais um passo para chegar lá cima. Após estes anos todos de prática, aprendi a lidar e a gerir tudo isto o que depois se repercute quando estou a desenvolver a minha outra paixão que é a Reumatologia. Consigo gerir mais facilmente uma situação complexa de um doente, ter cabeça fria perante um diagnóstico clínico mais desafiante e, ainda, encarar esta profissão com satisfação”. Tomás Fontes considera fundamental a existência de um hobbie que tenha “obstáculos, objetivos e desafios” – como é o caso da escalada – porque “estamos sempre a desafiarmo-nos, sempre em constante progresso e isso é importante para andarmos satisfeitos. Passar o dia inteiro a escalar, a superar dificuldades e a desafiar-me a mim próprio, de forma livre, sem qualquer tipo de medo, faz-me sentir um verdadeiro super-herói. E, no final do dia, vou chegar a casa muito mais satisfeito e, consequentemente, mais motivado para preparar o dia seguinte, dia esse que, na maior parte das vezes, é de trabalho e que é encarado com bastante leveza e satisfação”, rematou.