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A pneumologia do século XXI: Tendências, problemas, perspetivas e desafios

A pneumologia do século XXI: Tendências, problemas, perspetivas e desafios

O XXIV Congresso de Pneumologia do Norte arrancou ontem com uma sessão de debate, moderada pela jornalista Marina Caldas, na qual foram partilhadas várias preocupações que marcam a prática pneumológica atual. Tendências, problemas, perspetivas, desafios e, sobretudo, reflexões sobre as consequências do desenvolvimento de uma especialidade, cujo futuro acontece todos os dias. Reveja aqui algumas das ideias expostas pelo painel de especialistas que participou nesta sessão.

 

Um problema

O baixo número de especialistas em Pneumologia tem sido apresentado como um problema, tendo em conta o aumento do número de doentes com patologia respiratória que necessitam de cuidados diferenciados. No entanto, na perspetiva de Agostinho Marques, o verdadeiro problema reside na organização dos serviços hospitalares e na articulação entre as especialidades, nomeadamente entre a Medicina Interna e a Pneumologia. “O problema não está no número de médicos, mas sim na organização do Sistema de Saúde. Com uma boa organização, conseguimos ter uma melhor resposta global com os recursos de que dispomos”, afirmou o diretor do Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar de S. João. Por outro lado, acrescentou, “não há uma distribuição homogénea do número de especialistas no território nacional. Isto torna desigual o acesso dos doentes a cuidados diferenciados, o que pode ser muito grave em patologias como o cancro do pulmão, por exemplo”.  De acordo com um relatório da DGS, “o número de pneumologistas por 100 000 habitantes nos hospitais era, em 2013, de 2,9 na região do Porto, de 4,0 na região centro e de 4,8 na região de Lisboa”, sublinhou o Prof. Doutor Agostinho Marques.

 

Uma perspetiva

“A Pneumologia é uma especialidade que tem sido alvo de uma grande evolução e as exigências que se impõem aos profissionais são diferentes das exigências de há 20 anos”, referiu João Cunha. Segundo o diretor do Serviço de Pneumologia do Hospital de Braga, “neste momento, não dispomos apenas de um estetoscópio ao pescoço. Temos vindo a adaptar-nos às ferramentas que têm surgido e às novas áreas que resultam do desenvolvimento da Pneumologia”. A estas mudanças, “tem de corresponder uma organização não só do Sistema de Saúde, como também dos próprios serviços de Pneumologia”. Referindo-se às listas de espera em algumas áreas patológicas, o especialista deu como exemplo o tempo que um doente com apneia do sono tem de esperar por uma consulta de Pneumologia. “No meu hospital, são sete meses. Depois da primeira consulta o doente tem de fazer exames complementares de diagnóstico pelos quais chega a esperar mais quatro meses”. Resumindo, “ao fim de um ano após a referenciação, o doente tem o seu diagnóstico”, lamentou, manifestando o seu desconforto em relação a esta situação e à dificuldade de criar soluções que melhorem este panorama.

 

Uma tendência

Não foram uma, nem duas, nem três as tendências apontadas por Paula Simão em relação ao futuro da Pneumologia. O aumento da prevalência de doenças crónicas ligadas a fatores como o tabagismo, a obesidade e o envelhecimento da população, assim como o aumento do número de doentes com patologia mais complexa foram tendências referidas por todos os intervenientes nesta sessão, contudo, a pneumologista da Unidade Local de Saúde de Matosinhos acrescentou ainda a tendência para a necessidade de mais consultas, de mais internamentos, de mais exames complementares e de recurso a estratégias terapêuticas mais inovadoras e mais complexas. Face a tudo isto, arrasta-se também “a tendência para a subespecialização do Pneumologista e a sua integração em equipas multidisciplinares.

 

Um desafio

A constante redução do número de camas nos hospitais e a crescente incidência de patologia respiratória grave foi um dos desafios que Pinheiro Braga referiu na sua exposição. Parece contraditório que, face ao quadro epidemiológico, haja hoje menos camas nos hospitais para doentes respiratórios do que no passado, mas, a verdade, acrescentou o diretor do serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar do Porto, “é que os doentes estão a ser transferidos dos hospitais para o domicílio”. Outra “moda” é a criação de residências próximas de hospitais onde estes doentes podem receber tratamentos que, até aqui, só eram administrados em meio hospitalar.

Outro desafio é o envolvimento dos profissionais dos Cuidados de Saúde Primários no diagnóstico e tratamento da patologia. “Sem dúvida que o centro de saúde é a porta de entrada do doente no Sistema e que o médico de família tem oportunidade para identificar a doença em fases mais precoces, contudo, há que garantir a qualidade das práticas e a correta interpretação dos resultados dos exames complementares de diagnóstico, assim como a correta utilização das ferramentas terapêuticas”.

Uma reflexão

“Estamos perante uma crise do desenvolvimento” e “o aumento do número de doentes com patologia complexa é fruto da melhoria de um indicador, que é a sobrevivência”, sublinho Venceslau Hespanhol. A Pneumologia evoluiu de tal forma que permitiu que estes doentes chegassem a estádios de doença mais complexos pois, “no passado, estes doentes não teriam sobrevivido até aqui”, acrescentou o presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia. Para responder a esta consequência do aumento da sobrevivência, “resta agora salvaguardar um outro indicador no qual ainda não estamos ao nível dos países nórdicos, por exemplo, que é a sobrevivência com qualidade de vida”, ou, por outras palavras, “os anos livres de doença na faixa etária com mais de 65 anos de idade”.

 

Por Cátia Jorge