“A alteração demográfica e social que temos sofrido tem vindo a facilitar o agravamento da sustentabilidade do SNS”
A propósito do Congresso Nacional Nova Visão para um Sistema de Saúde, que vai decorrer no próximo dia 7 de fevereiro no Instituto Amaro da Costa, em Lisboa, o Raio-X entrevistou Sílvia Costa Martins, vice-presidente da comissão organizadora. Os objetivos desta iniciativa, os temas que vão ser debatidos e a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) foram alguns dos tópicos abordados.
Raio-X (RX) – Quando e com que propósito surgiu a ideia de realizar este Congresso?
Sílvia Costa Martins (SCM) – Com o sucessivo agravamento das condições no nosso SNS, o problema foi-se tornando central para todos os médicos e profissionais que decidiram consagrar a sua vida à saúde do próximo. Há cerca de seis meses a ideia do congresso ganhou forma quando um amigo da Prof.ª Doutora Antonieta Dias a desafiou a passar da teoria à prática e a organizar um congresso para se falar abertamente de saúde em Portugal, sem outro tipo de influências. O desafio foi aceite e a Prof.ª Doutora Antonieta Dias foi falando com alguns colegas de renome nas mais diversas áreas, desafiando-os também a participar neste congresso, com cariz idóneo, pro bono, sem patrocinadores de qualquer género, sem cores políticas, resumindo: sem interesses além do debate e transmissão a que todos nos propusemos.
Raio-X (RX) – A organização do Congresso parte de médicos e de profissionais de saúde. Considera que estão representadas as várias áreas da Medicina?
SCM – Toda a logística e organização tem sido literalmente feita por nós, e tentou-se incluir todas as áreas da Medicina. Considerando que para manter os custos suportáveis pelo valor das inscrições tivemos de tomar decisões quanto às palestras que poderíamos incluir, centrámo-nos nas áreas que existem de forma generalizada no SNS. Assim temos uma boa base para o debate de ideias que se quer global e não limitado às particularidades de cada área, já que não é um congresso apenas para profissionais do setor.
Raio-X (RX) – Um dos pontos que destacam tem que ver com o facto de ser organizado sem patrocinadores. É um aspeto importante?
SCM – É um aspeto fundamental. Para nós seria mais confortável propormos a alguns laboratórios o seu patrocínio e apoio logístico, pois teríamos menos trabalho, mais publicidade e menos preocupações. Somente, se queremos isenção total por parte de todos os intervenientes, achámos que deveríamos começar por nós mesmos, dando o exemplo, e deixando claro que o que nos propomos fazer é pura e exclusivamente um ato de cidadania e não uma maneira de favorecer um qualquer interesse oculto, eliminando desta forma essa hipótese.
Raio-X (RX) – Quais os temas do programa científico que realça e porquê a escolha dos mesmos?
SCM – Considerando as limitações que referi, fizemos um programa que julgamos equilibrado, tentando explorar as várias áreas-chave do sistema de saúde atual, tendo em conta as novas tecnologias e o envelhecimento da população portuguesa, a importância dos sistemas de abordagem inicial da doença e emergência, a necessidade premente de fazer crescer algumas áreas no SNS (como a Psicologia e a Medicina Dentária), e claro, pensar na sustentabilidade e missão que o SNS tem como garante dos mais básicos direitos humanos: à vida, à saúde e à igualdade.
Raio-X (RX) – Quais as possíveis soluções para tornar o SNS mais sustentável?
SCM – Durante a tarde, na mesa IV, iremos reunir médicos, gestores e advogados exatamente para explorarmos esse tema. No nosso país temos alguns projetos que poderiam ser sustentáveis e que não estão a conseguir ter os apoios/elos necessários para serem implementados. Vemos excelentes profissionais de saúde exaustos, constatamos que há falta de recursos em diversas áreas… é essencial conseguirmos pensar em soluções que sejam exequíveis. A sociedade modificou-se a vários níveis: se, por um lado, a tecnologia tomou já conta de inúmeros processos, simplificando-os, por outro, a alteração demográfica e social que temos sofrido tem vindo a facilitar o agravamento da sustentabilidade do SNS. Será que não se conseguem otimizar procedimentos e desburocratizar soluções com os recursos humanos e económicos existentes?
Somos reconhecidos internacionalmente pela qualidade dos nossos profissionais de saúde, seja em intercâmbios e formações, seja em cenários de guerra como, por exemplo, o Dr. António João Gandra D’Almeida nos falará no dia 7 de fevereiro da parte da manhã. Fomos pioneiros em diversas áreas, quer de saúde, quer nos procedimentos de emergência. Somos reconhecidos pela universalidade do nosso SNS. Dispomos, portanto, da matéria-prima sem a qual nada seria possível, resta-nos conseguir unir o que temos de melhor a uma educação para a saúde e uma gestão, que em vez de limitar transversalmente, consiga otimizar recursos. Se fosse fácil resolver esta questão o problema não existiria porque os diversos Governos que tivemos nos últimos anos ter-se-iam assegurado disso. Não é um problema que se resolva sem consensos e sem trabalho de equipa. São fundamentais a consciencialização e a educação em geral para a saúde, para que o sistema se torne mais eficaz. Quer um exemplo? Ensinando procedimentos de suporte básico de vida salvar-se-iam inúmeras pessoas, e muito provavelmente os tratamentos a nível hospitalar poderiam ser menos complexos numa grande maioria dos casos.
Raio-X (RX) – O modelo atual do SNS tem de sofrer alterações de fundo para se alcançar melhores resultados?
SCM – Julgo que têm havido sucessivas alterações, pelo que mais do que pensar em alterações de fundo do sistema, deveríamos pensar nesta questão de uma forma mais racional: se em cada serviço se conseguirem otimizar processos e se houver uma transferência desses modelos que sejam mais eficazes entre os diversos prestadores, a diferença nos resultados finais poderá ser imensa. Mas de nada serve chegar a um serviço e mudar tudo só porque é mais moderno ou porque funcionou muito bem num outro país qualquer. Realidades diferentes precisam de abordagens diferentes, e é aí que a simbiose entre os profissionais de saúde portugueses e as áreas de gestão hospitalar se torna essencial. E para que essa simbiose ocorra tem de haver vontade, solidariedade e tolerância entre todos, já que o cerne da questão não é outro que não garantir que um cidadão doente que recorra ao SNS seja atendido de uma forma humana, receba de maneira célere os melhores cuidados possíveis e seja encaminhado para uma solução que o faça voltar a estar num estado de saúde. Utópico? Talvez, mas se não se colocarem ideias em cima da mesa nada muda.
Raio-X (RX) – Têm como objetivo realizar mais Congressos neste âmbito?
SCM – Sinceramente, não pensámos nesse assunto. Se apenas com este congresso conseguirmos fazer despertar consciências e gerar ideias, quer nos que estejam presentes, quer nos que ouçam falar do assunto ou pensem nele individualmente, consideramos que a nossa missão fica mais do que cumprida.
Por Marisa Teixeira