Reumatologia tem contribuição importante na recuperação de doentes com COVID-19
Glucocorticoides em elevada dose e inibição do recetor da interleucina-6 podem reduzir em 65% a mortalidade hospitalar relacionada com tempestade de citocinas associada à COVID-19.
Os resultados de um novo estudo mostram que um imunossupressor amplamente disponível usado para tratamento de doenças músculo-esqueléticas reumáticas (RMDs) acelera a recuperação respiratória, diminui a mortalidade hospitalar e reduz a probabilidade de ventilação mecânica invasiva em comparação com os habituais cuidados de suporte.
O Annals of the Rheumatic Diseases, ARD, a revista da Liga Europeia Contra o Reumatismo, EULAR e a revista número um a nível mundial da área da Reumatologia, publicou resultados de um estudo observacional sobre o tratamento de doentes com síndrome da tempestade com citocinas (CSS) associada à COVID-19. O estudo demonstra que uma estratégia de tratamento que combina imunossupressão intensiva (usando glucocorticoides e um inibidor da interleucina-6), bem como monitorização contínua, melhora drasticamente os resultados dos doentes quando comparados com os cuidados de suporte que constituem a terapêutica standard.
O estudo mostra que este protocolo de tratamento pode reduzir a mortalidade hospitalar em 65%. Por outro lado, contribui para uma melhoria clínica, nomeadamente do estado respiratório, em 79% quando comparado com os padrões de procedimentos habituais. Além disso, a necessidade de ventilação mecânica durante a admissão pode ser reduzida em 71%.
Os maus resultados em doentes com COVID-19 estão associados a um estado de hiperinflamação sistémica resultante de uma síndrome de tempestade de citocinas (CSS) que foi relatada anteriormente como uma complicação rara e potencialmente letal de várias infeções, malignidades e doenças autoimunes. A hiper-reatividade imunológica é uma complicação importante da COVID-19 em até 25% dos doentes afetados, frequentemente responsável por um resultado fatal.
O estudo foi realizado no Zuyderland Medical Center (ZMC), na Holanda, em que uma taxa de mortalidade de 40% entre doentes com CSS associada à COVID-19 foi observada sob tratamento de suporte apenas no final de março de 2020.
O mesmo detalha os resultados de 86 doentes com CSS associado à COVID-19, que foram tratados com glucocorticoides (e em alguns casos um inibidor da interleucina-6) desde o início de abril de 2020. Estes foram comparados com os resultados de doentes de um grupo de controlo histórico de 86 doentes, pareados por sexo e idade, que receberam “apenas” cuidados de suporte. Os doentes elegíveis para o grupo de controlo criado retrospetivamente tiveram que ser admitidos entre 7 e 31 de março de 2020 com sinais de CSS.
Este estudo tem como primeira autora uma reumatologista e investigadora portuguesa, Sofia Ramiro, que afirma: “O nosso estudo mostra que os doentes mais críticos com COVID-19, ou seja, aqueles com sinais de tempestade de citocinas, tiveram um marcado efeito benéfico com terapêutica imunossupressora, nomeadamente com glucocorticoides. Um ponto forte do nosso estudo foi a seleção rigorosa dos doentes com maior probabilidade de beneficiarem de terapêutica imunossupressora, nomeadamente os doentes com tempestade de citocinas. Outros estudos incluíram todos os doentes com COVID-19 internados, sem uma seleção dos doentes a serem tratados com terapêutica imunossupressora. Este aspeto pode explicar o fato de os resultados do nosso estudo serem mais favoráveis; é provável que este seja o grupo de doentes que beneficia desta terapêutica”.
O protocolo de tratamento incluiu duas etapas. Primeiro, o tratamento com glucocorticoides entre cinco a sete dias. Em segundo lugar, quando necessário, a escalada do tratamento imunossupressor com um inibidor da interleucina-6, entre o 2.º e o 5.º dia, com a possibilidade de uma extensão. O estudo também destaca a importância de combinar imunossupressão intensiva com intervenção precoce e monitorização rigorosa por uma equipa multidisciplinar (com uma forte componente de reumatologistas).
Até ao momento do estudo, as informações sobre o tratamento imunossupressor da CSS associada à COVID-19 eram insignificantes. Vários especialistas, incluindo a Organização Mundial de Saúde, desaconselharam o tratamento de doentes críticos com uma infeção por COVID-19 com glucocorticoides.
Embora os autores do estudo reconheçam que estes resultados exigem confirmação de um estudo controlado randomizado (ECR), acreditam que os resultados são robustos. Os mesmos admitem ainda que o perfil de risco de um ciclo tão curto de glucocorticoides para o tratamento da CSS precisa ser distinguido do seu uso crónico pré-existente para doenças crónicas como doenças reumáticas e músculo-esqueléticas.
As recomendações do estudo são que a CSS seja reconhecida e considerada uma complicação tratável da COVID-19 e que o tratamento imunossupressor seja iniciado rapidamente. Além disso, este tratamento de curto prazo com glucocorticoides em elevadas doses é uma opção conveniente, pois são seguros, amplamente disponíveis e de valor bastante acessível.
Os reumatologistas estiveram envolvidos neste estudo devido à sua experiência no tratamento imunossupressor conforme recomendado nas recentes recomendações da EULAR.
Vídeo explicativo do estudo: https://vimeo.com/438536257/f0e87f2fbb