O tratamento do cancro da mama – Inovações nos últimos anos
Rui Dinis, diretor do Serviço de Oncologia Médica do Hospital do Espírito Santo de Évora, partilha com o Raio-X um artigo sobre as inovações terapêuticas no tratamento do cancro da mama:
O cancro da mama é o cancro mais frequente e o mais fatal entre as mulheres. São cerca de 6 mil novos casos por ano em Portugal, prevendo-se um aumento anual da incidência devido ao envelhecimento da população, ao sedentarismo e à baixa fertilidade. Quanto mais precocemente diagnosticado, maior é a probabilidade de cura e de longa sobrevivência.
A consulta de grupo multidisciplinar e regular, enquadrando dados anatomopatológicos, moleculares, clínicos, biológicos e psicossociais da pessoa doente, é a melhor garantia de qualidade, justiça e equidade na decisão terapêutica.
Na doença precoce, o horizonte é a cura. Para tal desiderato, continuam a utilizar-se modalidades terapêuticas loco-regionais como a cirurgia e a radioterapia que removem e destroem o tumor no seu leito e nas áreas de drenagem linfática, ou seja, no caminho que as células tumorais podem querer fazer a caminho de outros órgãos. Na maioria das situações, é possível conservar a mama, sendo apenas removido o tumor, sempre com margens de segurança. A radioterapia complementar torna a cirurgia conservadora tão segura quanto a mastectomia, reservada esta apenas para quando aquela não é possível pelo tamanho ou na multicentralidade do tumor. Neste caso, a reconstrução da mama pode geralmente ser feita no mesmo ato operatório. Se não existirem gânglios linfáticos suspeitos de metastização regional, é realizada uma biopsia de gânglio sentinela, que consiste na remoção e avaliação dos primeiros gânglios de drenagem linfática da mama. Se estes forem negativos para neoplasia, é seguro prescindir do esvaziamento ganglionar completo, reduzindo assim o elevado risco de linfedema, infeção e disfunção do braço do lado envolvido.
Nos tumores chamados luminais são expressos recetores hormonais que podem ser inibidos pela hormonoterapia (tamoxifeno ou inibidores da aromatase) de forma preventiva por um período mínimo de 5 anos. São habituais alguns efeitos secundários nas articulaçóes, na densidade mineral óssea, na pele, nos orgãos sexuais e no humor. Nas mulheres pré-menopáusicas, pode haver vantagem em bloquear a função ovárica.
Alguns cancros com potencial de metastização distante, pelo tamanho e envolvimento regional ou por determinadas caraterísticas moleculares muito agressivas, necessitam de quimioterapia, antes ou após a cirurgia, no intuito de destruição de possíveis micro-metástases. Se realizada previamente à cirurgia, o desaparecimento da neoplasia indica probabilidade maior de cura ou longa sobrevivência. O reverso da medalha é a toxicidade inflingida, uma vez que a quimioterapia destrói todas as células que crescem depressa, não só as tumorais mas também algumas do organismo, como na medula óssea, no cabelo e nas unhas. O coração é um dos órgãos sensíveis que também é importante preservar e monitorizar durante o tratamento. Geralmente, a quimioterapia não é tão bem tolerada como a hormonoterapia, referindo a maioria das mulheres perda de qualidade de vida, apesar da moderna medicação complementar existente para minorar os efeitos secundários indesejáveis.
Muito recentemente, o abemaciclib tornou-se no primeiro inibidor de ciclinas CDK4/6 a demonstrar diminuição de recidiva de cancro e aumento de sobrevivência global quando associado a hormonoterapia, num grupo particular de doentes com cancro luminal agressivo, independentemente de terem feito ou não quimioterapia.
Cerca de 20% dos cancros são estimulados a crescer por uma proteína na superfície celular chamada “human epidermal growth factor receptor 2” (HER2), que em excesso conduz a ativação de uma via de sinalização interna responsável pelo crescimento e metastização tumoral. Nesse caso, o bloqueio dessa proteína pelo anticorpo trastuzumab na doença precoce durante um ano resulta na diminuição da probabilidade de recidiva e no aumento da sobrevivência global. O pertuzumab é outro anticorpo que pode ser usado antes ou depois da cirurgia, combinado com a quimioterapia.
Noutro tipo de cancro da mama tipicamente agressivo, apelidado de triplo negativo por não conter recetores hormonais nem sobre-expressar a proteína HER2, foi demonstrada vantagem em associar a imunoterapia – o anti-PDL1 atezolizumab – à quimioterapia em contexto pré-operatório com o intuito de aumentar a resposta completa ao tratamento (significando que no momento da cirurgia o tumor já desapareceu) e, consequentemente, a sobrevivência global. Esta estratégia poderá alavancar em breve maior sucesso neste subgrupo tradicionalmente de pior prognóstico.
Por seu lado, na doença avançada ou metastática, o objetivo é o controlo da doença, embora em casos selecionados de doença oligometastática, ou seja, com local e número de metástases reduzidos, se possa ainda almejar a cura.
Na maioria dos cancros de mama que expressam recetores hormonais e não têm a proteína Her2 aumentada, é possível ponderar o início do tratamento com uma nova classe de medicamentos de inibidores de ciclinas CDK4/6 – representada por abemaciclib, palbociclib e ribociclib -, que, associada a hormonoterapia, permite aumentar a sobrevivência global, a redução do tumor e atrasar a necessidade de quimioterapia, evitando os efeitos adversos desta e mantendo a qualidade de vida, tendo-se revelado um dos maiores avanços da última década no cancro da mama. A quimioterapia em primeira linha está hoje reservada para casos clínicos de extrema agressividade em que os orgãos vitais estão ameaçados, como na iminência ou na presença de crise visceral, ou aquando de sintomas exuberantes.
No mesmo segmento luminal, uma nova mutação descoberta e clinicamente relevante, PIK3CA, viu nascer um tratamento dirigido – alpelisib – que reduz significativamente o risco de progressão ou morte.
Aqueles cancros estimulados a crescer pela proteína HER2 beneficiam da combinação em primeira linha de inibidores trastuzumab e pertuzumab com quimioterapia, estando entre os tumores com melhores resultados de sobrevivência. Outros inibidores HER2 como TDM1 podem ser utilizados em linhas subsequentes.
No subgrupo de cancro triplo negativo (também conhecido por basal, embora não correspondendo rigorosamente), frequentemente atingindo mulheres mais jovens e com história familiar, a quimioterapia era o único tratamento possível até recentemente, com resultados limitados. Uma classe de quimioterapia específica, os platinos, parece ser mais eficaz. Recentemente a imunoterapia nos cancros imunogénicos, usando o anticorpo anti-PDL1 atezolizumab combinado a quimioterapia, demonstrou vários meses de sobrevivência acrescida em relação a quimioterapia isolada. Por seu lado, nas mulheres com mutações constitucionais de dois genes supressores de cancro, o BRCA 1 e o BRCA 2, os inibidores da PARP como o olaparib revelaram aumentar o tempo até à progressão ou morte.
Em conclusão, o cancro da mama é uma doença molecularmente e clinicamente heterogénea que deve ser sistemicamente interpretada logo no estádio precoce. Muitos alvos terapêuticos descobertos nas últimas duas décadas – com vários estudos promissores em curso – e uma estratégia multidisciplinar permitem acalentar para as mulheres assoladas pela doença a esperança de uma terapia cada vez mais eficaz, bem tolerada, precisa e personalizada.