Dia Mundial da Obesidade – relação entre obesidade e apneia do sono
No âmbito do Dia Mundial da Obesidade – assinalado a 04 de março – partilhamos o artigo de opinião de Mafalda van Zeller e de Vânia Caldeira, no qual as médicas pneumologistas destacam a relação desta epidemia dos nossos dias com os problemas de sono (com a evidência científica a demonstrar uma clara relação entre a privação de sono e a obesidade).
No Dia Mundial da Obesidade é essencial relembrar a associação desta epidemia dos nossos dias aos problemas de sono. Sabemos que a privação crónica de sono é um problema das exigências da sociedade actual, mas também que a evidência científica tem demonstrado uma clara relação entre a privação de sono e a obesidade. Quando dormimos pouco habitualmente temos mais apetite e fazemos piores escolhas alimentares (alimentos mais calóricos). Isto relaciona-se com o facto de a privação de sono aumentar a produção de grelina (hormona que estimula o apetite) e diminuir a leptina (hormona da saciedade). Assim, sono insuficiente e inadequado pode condicionar aumento de peso promovendo um ciclo vicioso.
Além disso, a obesidade é o principal factor de risco para um dos distúrbios do sono mais prevalentes – a Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS). Nas pessoas obesas existe a deposição de tecido adiposo na região abdominal e cervical, comprometendo a permeabilidade da via aérea superior. Durante a noite com o relaxamento dos músculos desta zona, as pessoas obesas têm maior risco de colapso da via aérea, originando o ressonar e as paragens respiratórias que caracterizam a apneia do sono. Esta doença afecta 9 a 24% da população adulta. Cerca de 60 a 90% dos adultos com apneia do sono têm excesso de peso. Mesmo um aumento de 10% do peso, aumenta 6 vezes o risco de apneia do sono. A apneia do sono também ocorre em idade pediátrica (2%) e, sobretudo, na adolescência está associada ao excesso de peso e à obesidade crescente nestas faixas etárias.
Como problema adicional, frequentemente os obesos têm outras comorbilidades, como a hipertensão arterial, diabetes, arritmia ou história de enfarte do miocárdio. A ocorrência simultânea de apneia do sono causa inadequada oxigenação do sangue e vai aumentar, ainda mais, o risco a nível cardiovascular, cerebrovascular e metabólico.
Os principais sintomas que alertam para o risco de apneia do sono são: ressonar, paragens respiratórias testemunhadas, despertares nocturnos, necessidade de urinar várias vezes ao longo da noite, sensação de acordar cansado e com sono não reparador e sonolência diurna excessiva, com risco de adormecer em situações mais monótonas. Esta sonolência diurna pode ainda reduzir a atividade física dos doentes, o que é particularmente relevante nos obesos, doentes que habitualmente já sentem maiores níveis de desconforto e dispneia para o esforço físico, limitando a sua atividade e contribuindo para o sedentarismo e aumento do peso, mas também para o isolamento social e diminuição da qualidade de vida. Além dos riscos para a saúde física já descritos, a apneia do sono aumenta a irritabilidade e o humor depressivo, com consequências importantes no bem-estar e saúde mental.
Por fim, a obesidade com a acumulação de tecido adiposo no tórax causa um aumento do esforço de respirar, como que “aprisionando” os pulmões. Quando isto acontece pode ocorrer a Síndrome de Hipoventilação da Obesidade, que causa alterações nos níveis de oxigenação no sangue dos doentes e leva à acumulação de um gás tóxico (o dióxido de carbono). Cerca de metade das pessoas com índice de massa corporal superior a 50 têm esta doença. Entre os sintomas mais frequentes estão o cansaço diurno, a sonolência e a dor de cabeça ao acordar. Cerca de 90% destes doentes têm também apneia do sono. Quando não tratada pode ser uma causa de insuficiência cardíaca e aumentar significativamente o risco de morte.
O tratamento da SAOS, tal como muitas outras doenças, começa por alterações do estilo de vida e, na maioria das pessoas com SAOS, isso inclui a aproximação ao peso ideal. A perda de peso está associada a menor propensão ao colapso da via respiratória superior, seja pela redução de perímetro cervical (redução gordura na região do pescoço), seja pelo aumento dos volumes pulmonares (redução gordura abdominal).
A perda de peso reduz muitos dos sintomas relacionados com SAOS como a sonolência diurna e a irritabilidade, com uma melhoria global na saúde cardiovascular e metabólica e melhoria da qualidade de vida. A perda de peso permite não apenas um melhor controlo das doenças cardiovasculares e metabólicas associadas, como uma perda de 10-15% de peso diminui em 50% a gravidade da apneia do sono. Estudos mostraram que com a normalização do peso até 60% dos doentes com SAOS podem deixar de precisar de tratamento dirigido. Assim, os benefícios da perda ponderal parecem ser independentes da técnica usada, mas proporcionais ao peso perdido.
Paralelamente à perda de peso, muitos doentes obesos com SAOS podem ter indicação para tratamento com dispositivos de pressão positiva na via aérea (CPAP), ventiladores para usar enquanto dormem. Além da melhoria significativa da sonolência nestes doentes, o tratamento da SAOS poderá facilitar ainda a perda de peso ao melhorar a qualidade de sono e as alterações hormonais (diminuindo a grelina e aumentando a leptina). Adicionalmente, o benefício do tratamento com CPAP está bem estabelecido no que respeita a redução do risco de arritmias, redução e melhoria no controlo da tensão arterial e redução global do risco cardio e cerebrovascular (nomeadamente de AVCs).
No Dia Mundial da Obesidade relembramos a importância do controlo do peso também para evitar doenças respiratórias do sono que aumentam o risco para a saúde e a mortalidade, além de terem impacto no bem-estar físico e mental.