Drogas, cérebro e a sabotagem silenciosa das Funções Executivas
Sabemos que as drogas alteram o humor, a perceção e as emoções — mas o que muitas vezes passa despercebido é o impacto profundo que exercem sobre o próprio centro de comando do ser humano: o cérebro.
Neste artigo, a psicóloga clínica Margarida Ferraz, Psicóloga Clínica e da Saúde, com experiência profissional na área das Dependências; Cocoordenadora e Autora do livro Dependências – Manual de Intervenção Psicológica (PACTOR), explora como o consumo continuado de substâncias psicoativas — incluindo o álcool — compromete as funções executivas, aquelas que nos permitem pensar com clareza, controlar impulsos, planear o futuro e agir de forma coerente com os nossos valores.
Mais do que um comportamento de risco, o consumo repetido sabota silenciosamente a capacidade de decisão e de autocontrolo, transformando o cérebro num campo de batalha entre o prazer imediato e a razão.
Vivemos num tempo em que a informação sobre os riscos do consumo de drogas é abundante. No entanto, o problema mantém-se cronicamente presente — e, em alguns contextos, crescente.
Muito se fala sobre os efeitos imediatos — sensações intensas de prazer, euforia, desinibição social e uma aparente suspensão da realidade que, por instantes, alivia a dor emocional, o stress ou o vazio existencial. Este alívio rápido, porém, artificial, é uma das razões pelas quais as drogas exercem um poder tão sedutor sobre o cérebro humano.
Funcionam como atalhos para estados emocionais desejados, mas comprometem, a longo prazo, a integridade do sistema que regula precisamente essas emoções: o cérebro. Ao oferecerem uma saída rápida para o desconforto, minam lentamente a capacidade natural de lidar com a frustração, o adiamento da recompensa e os desafios inevitáveis da vida.
Mas pouco se discute o impacto persistente que estas substâncias têm sobre as funções executivas do cérebro — as que permitem planear, controlar impulsos, tomar decisões racionais e agir de forma coerente com os nossos objetivos e valores.
O consumo continuado de substâncias psicoativas — onde se incluiu o álcool — afeta diretamente o córtex pré-frontal, a área do cérebro responsável por estas funções cognitivas.
É como se, a cada consumo, o cérebro fosse convencido de que o prazer imediato importa mais do que qualquer consequência futura. E quando as funções executivas começam a falhar, a pessoa perde gradualmente a capacidade de resistir ao impulso de voltar a consumir — mesmo sabendo o mal que isso lhe causa.
É um ciclo traiçoeiro: quanto mais se consome, mais se prejudicam as áreas cerebrais responsáveis pelo autocontrolo. E quanto mais danificadas essas áreas estão, menor a capacidade de interromper o comportamento aditivo. Esta deterioração não é apenas teórica ou observável em exames de neuroimagem; é sentida na pele por quem vive com dependência e por quem os rodeia: a dificuldade em manter um emprego, em cuidar dos filhos e em cumprir compromissos básicos da vida quotidiana.
Importa também desconstruir uma crença recorrente: a dependência não é uma “falta de força de vontade”. As alterações neuropsicológicas que se instalam tornam a recuperação um desafio exigente que requer muito mais do que apenas motivação — exige acompanhamento profissional, estratégias de intervenção adaptadas e uma abordagem psicoterapêutica integrada.
Estes aspetos, entre outros, são aprofundados no livro Dependências – Manual de Intervenção Psicológica (PACTOR), que oferece uma perspetiva sólida e atual sobre os mecanismos da dependência e as abordagens terapêuticas mais eficazes. Um recurso essencial para profissionais da área da saúde que procuram compreender melhor como se trava esta luta — não apenas contra a substância, mas contra o impacto que provoca no próprio centro de comando do ser humano: o cérebro.