RNCCI: Prioridade aos cuidados domiciliários e às respostas comunitárias
Uma década depois de ter sido lançada, o Governo quer dar um novo fôlego à Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) e as prioridades estão identificadas: capacitar os cuidadores informais e promover o autocuidado dos doentes e apostar nas equipas de cuidados continuados integrados (ECCI) que dão apoio no domicílio. No que respeita ao internamento, este ano será marcado pelo lançamento das primeiras unidades consagradas à Saúde Mental e à Pediatria
Para a nova fase da RNCCI «o que se pretende é a expansão da capacidade de resposta da rede, privilegiando a domiciliação e as respostas comunitárias e colmatar as assimetrias [regionais] que existem».
Foi desta forma que Manuel Lopes apresentou aquelas que são as prioridades para o relançamento do nível de cuidados lançado há quase 10 anos.
No evento que apresentou o plano de desenvolvimento da Rede para os próximos quatro anos, que decorreu em Lisboa no dia 28 de Março, o coordenador nacional para os Cuidados Continuados Integrados salientou que a ideia passa por reforçar os cuidados continuados «prestados em domicílio e em ambulatório» pelas ECCI sendo que, para isso, está previsto um alargamento das competências dessas equipas, assim como está planeada uma revisão dos critérios de sinalização e referenciação dos utentes e uma uniformização da avaliação das necessidades dos doentes.
A aposta na domiciliação dos utentes da rede irá obrigar ao «reforço das capacidades» dos cuidadores informais, tantas vezes familiares, que irão passar a ser olhados como «parceiros de cuidados», mas também como «utentes de cuidados». Afinal, frisou o coordenador nacional, estes cuidadores informais «estão sistematicamente à beira da exaustão».
Para este objetivo está contemplado a realização de um plano de formação de cuidadores e de utentes. A ideia será passar por começar a formar utentes na promoção do autocuidado e na capacitação das funções que os doentes ainda conseguem desempenhar, depois partir para a formação dos cuidadores informais e estender depois aos cuidadores formais.
José Vieira da Silva considera esta aposta mais uma inovação desta área, tal como aconteceu com a criação da RNCCI há 10 anos, que vem centrar o apoio público neste «tipo de respostas, na pessoa e na família, mais do que nas instituições». A ideia, explicou o ministro do Trabalho Solidariedade e Segurança Social à margem da cerimónia, «não é eliminar a necessidade de respostas de cariz institucional», mas sim «colocar a resposta domiciliária na frente deste tipo de intervenção».
Para que a RNCCI prossiga o novo plano de ação o orçamento da Segurança Social para esta componente irá aumentar cerca de 15% face ao ano passado, o que resulta num total de 40 milhões de euros.
Tudo para, afiançou o responsável, tornar «a rede mais coesa do ponto de vista territorial» e «abranger outro tipo de tipologias que a experiência mostrou serem centrais para o desenvolvimento da rede», nomeadamente as respostas domiciliárias.
Já da parte do Ministério da Saúde, Adalberto Campos Fernandes também reconheceu à comunicação social que a participação no orçamento da RNCCI será aumentado para entre 20 a 25 milhões de euros. O ministro da Saúde acredita que as ECCI apresentam-se mais custo-efetivas e, nesse sentido, faz todo o sentido «ampliar tanto quanto possível as respostas domiciliárias».
Segundo o tutelar da pasta da Saúde, a «grande vontade de apostar na formação» do cuidador informal pode ser concretizado sem fazer alterações legislativas. Aliás, referiu o governante, em muitos agrupamentos de centros de saúde esse «empoderamento das famílias» já é uma realidade com diversas formações, mas, como referiu, essas ações têm agora de fazer parte de um plano nacional «mais organizado».
Todavia, apesar dos objetivos apresentados, nenhum dos governantes presentes adiantou como está a ser preparado e quando será apresentado o estatuto do cuidador informal já prometido pelo Executivo.
Saúde Mental e Pediatria com novidades no primeiro semestre
Já no que diz respeito à resposta institucional da RNCCI o plano de ação para os próximos quatro anos pretende colmatar as carências sentidas em várias regiões do país, sobretudo nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, e em determinadas áreas consideradas deficitárias em termos de resposta, como os cuidados continuados na área Pediátrica, na área da Saúde Mental e dos cuidados paliativos.
Adalberto Campos Fernandes disse acreditar estar a ser preparado o «princípio da transformação e da mudança» para breve pois, afiançou aos jornalistas, que «ainda este ano, no primeiro semestre, possamos ter a abertura de algumas unidades» dedicadas aos utentes mais jovens e aos doentes com patologia mental.
O ministro da Saúde afirmou que o propósito do Governo com o novo fôlego da RNCCI é tornar «os portugueses menos dependentes dos hospitais», deixando para esse nível de cuidados as situações que são eminentemente de cariz hospitalar.
A equipa coordenada por Manuel Lopes tem ainda a incumbência de fazer a «desmaterialização da rede» nos hospitais, agilizando os procedimentos de alta, conjugando a alta clínica com a alta social, e melhorando a referenciação dos utentes. Segundo Adalberto Campos Fernandes, este objetivo irá resultar no «não alargamento desnecessário do internamento hospitalar», associado a elevados custos e a riscos desnecessários para a saúde desta população já fragilizada.
O propósito do Governo com o novo fôlego da RNCCI é tornar «os portugueses menos dependentes dos hospitais», deixando para esse nível de cuidados as situações que são eminentemente de cariz hospitalar
Ainda no campo da resposta em unidades assistenciais, Manuel Lopes acrescentou que quer ainda avançar no terreno as unidades de promoção de autonomia consagradas na legislação que criou a RNCCI e que nunca foram concretizadas.
Com todas as novas valências que pretende ver incluídas na RNCCI, o coordenador nacional para este nível de cuidados acredita que é imperativo rever o modelo de contratualização nos cuidados continuados no sentido de comtemplar o grau de dependência dos doentes, e o trabalho a ele associado, que entrarão na rede de modo a criar um «sistema mais justo» de financiamento.
Balanço de uma década
Manuel Lopes aproveitou o lançamento desta nova fase da RNCCI para fazer um balanço dos 10 anos de funcionamento deste nível de cuidados. O diagnóstico identifica que nesta década de existência a rede abriu 7759 camas de cuidados, mas se «até 2011 o ritmo de crescimento era de 20% ao ano» desde esse ano que o ritmo caiu para metade e em algumas regiões «para menos que isso», reconheceu o coordenador nacional.
No que diz respeito às ECCI, neste momento existem 6712 lugares. Nos últimos anos também se verificou uma redução do número de lugares disponíveis, mas, neste caso, Manuel Lemos explicou que pode não ser sinónimo de que esteja a ocorrer uma diminuição da oferta, mas sim uma reorganização das equipas.
Dos dados avançados no evento fica claro algumas das insuficiências identificadas na construção deste nível de cuidados. «Tem-se privilegiado o investimento na institucionalização das pessoas», frisou o responsável, reconhecendo que houve um desenvolvimento «escasso» para o expectável das respostas domiciliárias.
Para a equipa que agora vai comandar a concretização do plano de ação também é claro que nestes 10 anos não se conseguiu colmatar as «assimetrias regionais na distribuição de respostas», muito por causa da inexistência de prestadores nessas zonas mais carenciadas de valências.
«Tem-se privilegiado o investimento na institucionalização das pessoas», frisou o responsável, reconhecendo que houve um desenvolvimento «escasso» para o expectável das respostas domiciliárias
Nesta década de RNCCI ficaram também por concretizar unidades dedicadas a áreas muito específicas de cuidados como seja à população com problemas de Saúde Mental e às crianças e jovens que vinham contempladas na legislação de criação da Rede.
Deste diagnóstico do terreno construiu-se então o plano que pretende por cobro às carências sentidas por quem necessita de um acompanhamento médico e social sem necessitar de internamento hospitalar.
Rita Vassal para Tempo Medicina