“O tabaco é o principal fator de risco para o cancro do pulmão, responsável por mais de 80% dos casos”

Em entrevista ao Raio-X, o Dr. Pedro Fernandes, cirurgião torácico no Centro Hospitalar e Universitário de São João, comentou os sintomas, diagnóstico e tratamentos disponíveis para o cancro do pulmão, bem como a relevância da prevenção, enfatizando que “todos esforços deverão ser concentrados na cessação tabágica e na tentativa de não iniciação de hábitos tabágicos com o objetivo de reduzir o número de novos casos de cancro do pulmão”.

Qual a prevalência do cancro do pulmão no Mundo? E em Portugal?

O cancro do pulmão é o cancro com maior incidência a nível mundial, com mais de dois milhões de novos casos diagnosticados anualmente e responsável por 18,4% das mortes relacionadas com cancro, mais de 1,7 milhões de mortes anuais. Em Portugal ocupa o quarto lugar em número de novos casos por ano – atrás do cancro colorretal, mama e próstata – com cerca de 5200 novos casos por ano, porém, também aqui é a principal causa de morte por cancro, sendo que no ano de 2018 foi responsável por 4631 mortes, cerca de 16,5% das mortes relacionadas com cancro.

Quais os sintomas e manifestações?

Os sintomas variam de acordo com o estádio no qual se encontra a doença. Numa fase inicial do cancro do pulmão, quando estamos perante um estádio precoce, a maioria dos doentes é assintomática, sendo a lesão pulmonar detetada muitas vezes acidentalmente na realização por qualquer razão não diretamente relacionada com cancro do pulmão de uma radiografia torácica ou tomografia computorizada (TC) torácica.

Numa fase mais avançada da doença, os doentes já são geralmente sintomáticos, porém, não podemos falar de sintomas típicos e distintos para o cancro do pulmão. A doença pode manifestar-se por sintomas devido ao envolvimento local dos pulmões e da via aérea, como dificuldade em respirar, tosse, presença de sangue na expetoração ou dor torácica, bem como com sintomas generalizados de perda de apetite, perda de peso ou fadiga. No caso de doença metastizada, os sintomas podem estar relacionados com o órgão afetado por metástases, como por exemplo sintomas neurológicos (no caso de metástases cerebrais) ou dor óssea (no caso de metastização óssea).

Como é feito o diagnóstico?

A deteção do cancro do pulmão é efectuada com a realização de um TC torácico. A partir deste momento, no qual imagiologicamente é possível identificar uma lesão pulmonar, é iniciado o estudo para obtenção de amostra desta lesão, maioritariamente por biopsia percutânea ou broncofibroscopia. Após a realização de um diagnóstico preciso que se trata de um cancro do pulmão é fundamental a realização do estadiamento da doença, através de exame específicos como por exemplo uma tomografia emissora de positrões (PET), de forma a esclarecer a fase em que a doença de encontra.

De que forma esta doença afeta a qualidade de vida das pessoas?

A qualidade de vida das pessoas é afetada de acordo, mais uma vez, com o estádio da doença. O curso silencioso da doença determina na maioria dos doentes uma elevada morbilidade e mortalidade. Após o diagnóstico, apenas 15% dos doentes estão vivos 5 anos depois, isto porque aproximadamente 70% dos casos são diagnosticados numa fase avançada da doença, com implicações no subsequente tratamento.

Quais os tratamentos disponíveis?

Também neste ponto o tratamento é diferenciado de acordo com o estádio da doença. Nos estádios precoces, a cirurgia é o tratamento de eleição, possibilitando uma terapêutica potencialmente curativa. A evolução na última década da Cirurgia Torácica, com o desenvolvimento da técnica e da abordagem cirúrgica, permitiu que atualmente se possa oferecer aos doentes um procedimento cirúrgico minimamente invasivo. Considerado o gold standard e implementado em vários serviços em Portugal, a cirurgia toracoscópica vídeo-assistida (VATS), permite através de uma única porta de 3 a 5 centímetros, sem necessidade de afastamento de costelas, remover o lobo pulmonar ou o segmento pulmonar afetado pelo cancro do pulmão. É oferecida assim uma abordagem cirúrgica menos agressiva, que possibilita ao doente um pós-operatório menos doloroso, menor tempo de internamento, com uma recuperação funcional mais positiva e um rápido retorno à sua atividade normal.

Em fases mais avançadas da doença, a cirurgia com ressecção pulmonar não demonstra ter efeitos benéficos na sobrevida dos doentes. Nestes estadios da doença, a quimioterapia clássica era a única opção, que permitia aos doentes uma sobrevida de pouco mais de um ano. Também nesta área, na última década, houve um incremento de qualidade no tratamento a oferecer, com o desenvolvimento das terapêuticas dirigidas e da imunoterapia. Por um lado, as primeiras contemplam fármacos direcionados a atingir alvos específicos do tumor, enquanto a imunoterapia não ataca diretamente as células tumorais, mas de certa forma ensinamos o nosso sistema imunitário a identificar as células tumorais e orientamo-lo a combater estas células. Estas novas terapêuticas permitem não só um incremento substancial na sobrevida, mas sobretudo um melhoramento na qualidade de vida destes doentes, sem os efeitos adversos conhecidos da quimioterapia.

Um diagnóstico e tratamento precoces podem fazer a diferença?

O largo espectro de fases nos quais a doença é detetada compreende desde o pequeno nódulo pulmonar com menos de um centímetro que pode ser tratado com cirurgia – permitindo uma sobrevida aos 5 anos de cerca de 92% – até ao cancro do pulmão em estádios avançados, com múltipla metastização à distância, cujo prognóstico contempla uma sobrevida aos 5 anos inferior a 5%. Deste modo, o diagnóstico precoce é fundamental, pois irá determinar um estádio da doença mais prematuro com influência direta no tratamento e consequentemente no prognóstico.

Que estratégias podem ser implementadas para que o diagnóstico seja feito mais atempadamente?

O diagnóstico precoce é de importância vital, porém, é essencial pensar no passo anterior: a prevenção. Não podemos nunca deixar de dar ênfase ao tabaco como principal factor de risco para o cancro do pulmão, responsável por mais de 80% dos casos. Este é o elemento preponderante nesta doença, sendo que em 2019, no nosso país, 17,0% da população com 15 ou mais anos era fumadora e 21,4% eram ex-fumadores. Todos os esforços deverão ser concentrados na cessação tabágica e na tentativa de não iniciação de hábitos tabágicos com o objetivo de reduzir o número de novos casos de cancro do pulmão.

Após estabelecida a doença, a deteção prematura pode ter como resposta a implementação de um programa de rastreio. A evidência sobre rastreio no cancro do pulmão tornou-se mais sólida com os recentes resultados do maior estudo europeu nesta área: numa amostra de mais de 15000 pessoas verificou-se que a realização de TC de baixa dose a fumadores ou ex-fumadores entre os 50 e os 74 anos, permitiu uma redução da mortalidade de 26% em homens deste grupo de alto risco, sendo essa redução ainda mais acentuada nas mulheres consideradas de alto risco. A implementação de um programa de rastreio nacional será um passo essencial que mudará definitivamente o paradigma do cancro do pulmão em Portugal.

Por Marisa Teixeira

 

 

 

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