“Os portugueses têm níveis de vitamina D inferiores aos das populações de países nórdicos”
Com o objetivo de explicar o que é a Vitamina D, a importância que tem no organismo, principalmente nas crianças, e de que forma é que podemos obtê-la, o Raio-X entrevistou Cláudio Rebelo, da área de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital Pedro Hispano. O especialista frisou que existem vários sintomas de deficiência de vitamina D, nomeadamente “ter pele escura, excesso de peso ou obesidade, não comer peixe ou laticínios” entre outros.
RAIO-X (RX) – Quais são os vários grupos de risco relacionados com a deficiência da vitamina D, em Portugal?
Cláudio Rebelo (CR) – Embora toda a população possa estar em risco de ter um baixo nível de vitamina D, as evidências só foram consideradas em relação à terapêutica com o uso de suplementos para os seguintes grupos populacionais específicos:
- Todas as mulheres grávidas e lactantes, particularmente adolescentes e mulheres jovens.
- Bebés e crianças com menos de 3 anos (amamentados, não amamentados e alimentados com fórmula).
- Pessoas com mais de 65 anos.
- Pessoas obesas, pois, têm níveis muito baixos de vitamina D, situação agravada pelo facto de “por estigma social” associado à gordura, evitarem muitas vezes expor o corpo ao sol.
- Pessoas com pouca ou nenhuma exposição ao sol, nomeadamente, aqueles que cobrem totalmente a pele por razões culturais/religiosas ou que estão confinados a ambientes fechados por longos períodos.
- Pessoas que têm a pele mais escura, por exemplo, pessoas de origem africana, afro-caribenha e do sul da Ásia.
Em 2016, um estudo espanhol publicado numa revista de Pediatria demonstrou que 31% das grávidas espanholas apresentavam níveis insuficientes de vitamina D e 18% tinham mesmo défice estabelecido. A idade mais avançada da grávida, tabagismo e menor classe social eram fatores de risco independentes para défices mais graves de vitamina D.
Os portugueses têm níveis de vitamina D inferiores aos das populações de países nórdicos. Em 2016 foi também realizado um estudo por investigadores do Instituto de Ciências Biomédicas no Porto revelou que a deficiência ou insuficiência de vitamina D é prevalente no norte de Portugal (78%). Como seria de esperar esta percentagem flutua ao longo do ano, apresentando no verão o valor mais baixo (62%), e atingindo no inverno valores de cerca de 95%.
RX – Quais são as principais causas da deficiência de vitamina D?
CR – As principais causas de deficiência de vitamina D prendem-se com a forma de poder obtê-la de forma natural. A vitamina D é uma pró-hormona lipossolúvel. É obtida através da ação da luz solar na pele e pela ingestão de alimentos fortificados. A ação da luz solar (radiação ultravioleta de comprimento de onda 290-310 nm) na pele converte o 7-desidrocolesterol em pré-vitamina D3, que é então metabolizado em vitamina D3. A vitamina D dietética existe como ergocalciferol (vitamina D2) ou colecalciferol (vitamina D3).
- Para a latitude e longitude de Portugal e atendendo aos tipos de pele preponderantes (tipos III e IV) cerca de 5 minutos de exposição ao meio dia no verão e 15-20 minutos no inverno são suficientes para produzir 1000 UI/dia.
- A nível de alimentação: 1 posta de salmão selvagem (800 UI) + 1 gema de ovo (40 UI) + 1 copo de leite suplementado (120 UI) + 1 porção de cereais (40 UI) – equivalente a 1000 UI. Contudo a alimentação não se revela uma fonte de vitamina D suficiente.
RX – Quais são os fatores de risco para níveis baixos de vitamina D?
CR – Os principais fatores de risco para níveis baixos de vitamina D são:
- Ter pele escura.
- Idade mais avançada (menor síntese cutânea de vitamina D).
- Ter excesso de peso ou obesidade.
- Não comer peixe ou laticínios (vegetarianos estritos).
- Viver em latitudes afastadas do Equador.
- Pouca exposição solar por vida em ambientes fechados ou por razões culturais/religiosas.
- Medicações crónicas, doença renal, doença hepática, doença inflamatória intestinal
RX – Quais são os problemas de saúde decorrentes da falta desta vitamina?
CR – A descoberta de que a maioria dos tecidos e células do corpo humano têm recetores e que vários possuem o mecanismo enzimático para converter a forma circulante primária de vitamina D, calcidiol, na forma ativa, calcitriol, forneceu novos “insights” sobre a função verdadeiramente “hormonal” desta vitamina.
Para além da manutenção da saúde óssea, terá ainda o papel de poder ajudar a diminuir o risco de muitas doenças crônicas, incluindo cancros, doenças autoimunes, doenças infeciosas e doenças cardiovasculares.
No caso da osteoporose, uma doença crónica grave que afeta centenas de milhões de pessoas em todo o mundo. A vitamina D melhora a densidade mineral óssea, o que reduz o risco de fratura, ao mesmo tempo que melhora a força muscular, o equilíbrio e a função das pernas, reduzindo o risco de queda e da primeira fratura. Como consequência, a insuficiência de vitamina D tem sido associada a um risco maior de fraturas osteoporóticas e ao iniciar da cascata fraturária. Após um primeiro evento de fratura do colo do fémur o risco de morte aumenta exponencialmente chegando a valores de 19% no primeiro ano e de 25% no 2º ano pós fratura.
RX – Quais são os sintomas de deficiência de vitamina D?
CR – Alguns dos principais sintomas de deficiência de vitamina D manifestam-se através de:
- Fadiga excessiva e cansaço fácil com baixa reserva muscular.
- Aumento do risco de infeções.
- Causa ou um fator contribuinte para a dor óssea e lombalgia de esforço.
- A depressão está associada a baixos níveis de vitamina D e alguns estudos demonstraram que a suplementação melhora o humor.
- Cicatrização deficiente após cirurgia ou lesão.
- Perda de cabelo nomeadamente na calvície de padrão feminino ou na condição autoimune de “alopecia areata”.
- Ligação entre dor crónica e níveis baixos de vitamina D, por possível interação entre a vitamina D ativa e as raízes sensitivas dos plexos nervosos.
RX – Quais as vantagens da toma diária desta vitamina? E quais os valores de referência?
CR – Apesar da toma diária ser mais fisiológica (e a única aprovada em crianças no nosso país) e permitir acompanhar o ritmo circadiano da exposição solar, os estudos não são conclusivos sobre as vantagens da administração diária versus a administração mensal pois a comodidade da toma mensal aumenta a adesão à terapêutica (o que provoca viés nos estudos).
Todos os autores concordam que a toma diária apresentaria vantagens se se conseguir garantir que as pessoas de facto tomam a suplementação diariamente e não abandonam precocemente o tratamento.
Na realidade nacional, a suplementação diária é muito mais económica que as formulações mensais, nomeadamente nos casos em que são necessárias doses mais elevadas de suplementação.
Deve ser doseada a 25-hidroxivitamina D (calcidiol) que é a fração da vitamina D3 e D2 que se transforma em vitamina circulante após a passagem hepática. Esta fração é que representa adequadamente o “status” de vitamina D do individuo.
Contudo não existe consenso sobre os níveis ideais de 25-hidroxivitamina D:
- Défice de vitamina D é definido como < 20 ng/ml (50 nmol/L)
- Valores de 20 a 29 ng/ml (52 a 72 nmol/L) – insuficiência relativa de vitamina D
- Valor > 30 ng/ml pode ser considerado normal (conforme as situações clínicas)
- Intoxicação por vitamina D quando 25-hidroxivitamina D > 150 ng/ml (374 nmol/L)
RX – Qual é a dosagem recomendada de vitamina D em função da faixa etária?
CR – Os bebés necessitam de 1 gota de vitamina D (667 UI) por dia, a partir da primeira quinzena de vida e pelo menos durante todo o primeiro ano de vida. Existem alguns estudos que demonstram a vantagem da suplementação até aos 6 anos de vida.
No útero e durante a infância, a deficiência de vitamina D pode causar restrição de crescimento e deformidades esqueléticas e aumentar o risco de fratura da anca no futuro. As grávidas, nomeadamente se apresentarem fatores de risco (idade > 40 anos, obesidade, diabetes) devem ser suplementadas com 1000 a 2000 UI por dia.
Todos os adultos com mais de 65 anos devem efetuar suplementação com pelo menos 800 a 1000 UI por dia.
Por Rita Rodrigues