“A Patologia Clínica é transversal a todas as outras especialidades”
A propósito do 10.º Congresso Nacional de Patologia Clínica, que terá lugar na Fundação Cupertino de Miranda, no Porto, de 13 a 15 de fevereiro, o Raio-X falou com Maria José Rego de Sousa, presidente da Sociedade Portuguesa de Patologia Clínica (SPPC), e com Sandra Paulo, presidente do próximo Congresso. Além de temas que serão debatidos no encontro científico, foram também comentados tópicos como a evolução da Patologia Clínica, a sua relação com outras especialidades, assim como os seus principais desafios.
Raio-X (RX) – Esta é a 10.ª edição do Congresso Nacional de Patologia Clínica, contudo, a SPPC já existe há várias décadas. Que balanço fazem desta evolução?
Maria José Rego de Sousa (MJRS) – A SPPC foi fundada em 1957, com a designação de Sociedade Portuguesa de Medicina Laboratorial, sendo uma secção da Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa. Ao longo da sua história teve nas suas direções e entre os seus sócios figuras importantíssimas da Patologia Clínica, mas, infelizmente, no final da década de ’90 deu-se um interregno que viria a prolongar-se por aproximadamente 20 anos. Naturalmente, criou-se um vazio e foi surgindo a necessidade de dar empowerment científico aos patologistas clínicos. Sentíamos que éramos cientificamente tão válidos como os médicos de outras especialidades, contudo, não éramos exatamente considerados como tal. Era preciso voltar a dignificar a Patologia Clínica e respetivos profissionais e, nesse âmbito, em abril de 2018, constituiu-se a SPPC enquanto sociedade científica autónoma e, consequentemente, tornou-se imperativo revitalizar também o Congresso Nacional de Patologia Clínica, cuja 9.ª edição decorreu em 2019, com enorme sucesso.
Sandra Paulo (SP) – Obviamente, houve um grande esforço da SPPC em construir um programa científico de qualidade, com palestrantes nacionais e internacionais de excelência. Estamos a fazê-lo novamente para a 10.ª edição, com o intuito de reunir ainda mais congressistas e estreitar relações com outras especialidades e sociedades científicas, de que destacamos a Pediatria, Gastroenterologia, Endocrinologia, Cardiologia, Dermatologia, Medicina Interna e Obstetrícia. Aliás, este já um fator diferenciador nos Congressos promovidos pela SPPC, comparativamente a outros da área de Medicina Laboratorial, no que respeita à envolvência de outras especialidades, já que a maioria dos oradores não são de Medicina Laboratorial.
RX – Estes Congressos são um momento relevante de comunicação entre a Patologia Clínica e outras especialidades?
SP – Sim, entre esta e outras especialidades, constituindo também um local privilegiado para os patologistas clínicos interagirem entre si e discutirem os desafios da área, pois a Patologia Clínica é transversal a todas as outras especialidades e tem de estar sempre na linha da frente. Até porque somos médicos que também lidam com tecnologias cada vez mais encriptadas para os restantes especialistas, pela sua enorme evolução.
RX – Pode dizer-se que a Patologia Clínica é cada vez mais procurada como suporte pelas outras especialidades?
MJRS – Exatamente. O desenvolvimento da medicina e da tecnologia tiveram um papel muito ativo na evolução da Patologia Clínica. Efetivamente, há cerca de 40 anos que esta já não surge depois de um diagnóstico clínico, e sim muito antes. Claro que é ainda muito usada em paralelo, mas cada vez oferecemos uma maior diversidade de ferramentas para despistes mais precoces, antes de as patologias se instalarem. Com a contínua evolução da tecnologia pretende-se conseguir caracterizar as doenças totipotenciais de uma pessoa. Aliás, já é possível saber a potencialidade da doença que o ser humano tem, mas ainda é muito caro. No futuro, esse será um cenário massificado.
SP – O patologista clínico é sempre um elo, a sua formação é dirigida para estabelecer a dicotomia entre as vertentes laboratorial e clínica. Fazer esta ligação é importante para colaborar e apoiar o médico assistente. Não somos clínicos, não estamos tanto com os doentes, mas queremos estar mais presentes, pois somos uma mais-valia na marcha diagnóstica. Estamos entre a produção laboratorial e o que são as necessidades de um clínico quando aborda um doente, portanto, temos um papel de mediação. Por outro lado, temos de responder às necessidades do doente, e nunca nos esquecemos que ele é o proprietário do produto biológico que nos deposita. Apesar de preferencialmente entrarmos em diálogo com os colegas da área clínica, até porque não nos queremos sobrepor a eles, caso haja a necessidade de entrar em contacto direto com o doente não existe qualquer obstáculo nesse aspecto.
RX – Relativamente ao Congresso, há novidades em relação à edição anterior?
SP – O programa científico segue um pouco a organização da nossa especialidade, ou seja, está subdividido por áreas: hematologia, imunologia, química clínica, microbiologia, patologia molecular e patologia genética. Nestes campos, tentamos convidar palestrantes que tragam algo de novo: por ser um assunto em voga ou pouco abordado, ou com o propósito de sublinhar alguma questão que, por algum motivo, tenha caído no esquecimento. Desta vez, além das áreas nucleares da Patologia Clínica, trazemos para discussão algumas temáticas relacionadas como a medicina laboratorial personalizada, a gestão laboratorial, a medicina baseada na evidência e novos biomarcadores de autoimunidade, imunologia, neuroimunologia e imunopsiquiatria. O programa já pode ser consultado aqui.
RX – Em termos de reconhecimento, os patologistas clínicos estão em pé de igualdade com os médicos clínicos assistenciais?
SP – Se houve uma fase em que talvez não, hoje em dia somos procurados numa perspetiva de aconselhamento e de colaboração. E acredito que no futuro isso vai acontecer cada vez mais. O nosso trabalho não tem um lado empírico, é feito com base em conhecimento científico e evidenciado. Temos o papel de filtrar os resultados, “limpar” as variáveis confundentes e apresentá-los ao clínico. Portanto, o nosso papel é relevante.
RX – Na vossa opinião, a Patologia Clínica deveria ter um papel mais interventivo em algum aspeto?
MJRS – Devemos lutar para que exista inclusivamente um reconhecimento legal do domínio que o patologista tem sobre a escolha dos testes iniciais a realizar, que, por sua vez, estão relacionados com os subsequentes e o follow-up. Este seria mais eficiente se efetuado por esta especialidade, pelo seu know-how e racionalidade na tomada de decisões e, desta forma, haveria um grau de poupança significativo, sempre numa base de colaboração interdisciplinar.
Por Cátia Jorge