1º Guia Prático de Doenças Respiratórias destinado a profissionais de saúde
A gestão das doenças respiratórias — como a asma, a DPOC ou as infeções do trato respiratório — representa um dos maiores desafios da Medicina Geral e Familiar, área onde são diagnosticados e acompanhados a maioria dos doentes com estas patologias. Até agora, não existia em Portugal uma ferramenta prática, abrangente e sistematizada que apoiasse os profissionais de saúde nesta missão. Essa lacuna foi agora colmatada com a publicação do 1.º Guia Prático de Doenças Respiratórias, um projeto coordenado pelo Grupo de Doenças Respiratórias (GRESP) da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) e pela Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), com o apoio da AstraZeneca.
Em entrevista ao Raio-X, Tiago Maricoto, médico de família e um dos rostos do projeto, explica como surgiu esta iniciativa, quais os desafios enfrentados na sua concretização e de que forma este guia pode ser uma ferramenta essencial para os cuidados de saúde primários — contribuindo para diagnósticos mais precisos, referenciações mais criteriosas e, sobretudo, para melhores cuidados respiratórios em Portugal.

Raio-X (RX): Como surgiu a necessidade de criar este 1.º Guia Prático de Doenças Respiratórias?
Tiago Maricoto (TM): Este guia prático resultou da colaboração entre várias entidades, nomeadamente o Grupo de Doenças Respiratórias (GRESP) da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) e a Sociedade Portuguesa de Pneumologia, contando ainda com o apoio logístico e financeiro da AstraZeneca, que tornou possível a sua concretização. A sua criação respondeu à constatação de que não existia, até então, um instrumento semelhante que, de forma completa e abrangente, mas simultaneamente prática e concisa, apoiasse os médicos na gestão das doenças respiratórias. Esta necessidade é particularmente sentida na Medicina Geral e Familiar (MGF), principal público-alvo do guia — embora não exclusivo —, uma vez que é neste contexto que a maioria dos doentes com patologia respiratória é diagnosticada e acompanhada. Num momento em que esta área assume crescente importância na MGF, e em que os médicos de família estão cada vez mais capacitados para lidar com estas patologias, é fundamental dispor de uma ferramenta de apoio atualizada, abrangente e orientada para a prática clínica.
RX: Quais foram os principais desafios na sua elaboração?
TM: Um dos principais desafios foi reunir especialistas de diferentes áreas e especialidades, com reconhecida experiência e disponibilidade para assumir esta tarefa de grande dimensão. Participaram médicos de família com vasta experiência, pneumologistas, imunoalergologistas e académicos.
Outro desafio importante foi a seleção e integração da evidência científica mais relevante. Dada a grande quantidade de orientações clínicas e estudos de elevado impacto, foi necessário harmonizar e condensar esta informação num documento prático, conciso e de fácil consulta. Em algumas matérias mais controversas ou específicas, deparámo-nos com lacunas de evidência suficientemente robusta, o que exigiu recorrer ao consenso de peritos para assegurar a consistência e a utilidade da informação incluída no guia.
RX: Quais considera serem as principais mais-valias desta ferramenta para os profissionais de saúde envolvidos na abordagem das doenças respiratórias, especialmente na Medicina Geral e Familiar?
TM: A principal mais-valia é reunir, num único documento, a informação científica mais relevante para que o médico de família possa orientar os doentes com patologia respiratória, seja de natureza aguda ou crónica. Esta informação está sistematizada desde o diagnóstico ao tratamento, passando pela articulação com os cuidados de saúde secundários e outras valências multidisciplinares.
O guia contribui para fortalecer os conhecimentos técnicos dos médicos de família na área respiratória, ao mesmo tempo que otimiza a gestão do tempo necessário para a pesquisa de informação científica. O seu formato digital facilita ainda o acesso remoto, rápido e eficiente pelos profissionais de saúde.
RX: De que forma o guia pode contribuir para uma melhor articulação entre os cuidados de saúde primários e os cuidados hospitalares, em particular no que diz respeito à referenciação?
TM: Um dos aspetos fundamentais que procurámos integrar em praticamente todos os capítulos foram orientações práticas e claras sobre os critérios de referenciação. O objetivo foi proporcionar aos especialistas de MGF indicações concretas sobre quando, como e para onde referenciar os seus utentes com patologia respiratória. Incluímos também notas orientadoras para abordar aspetos específicos, facilitando uma triagem hospitalar mais informada e ajustada à gravidade e necessidades individuais dos doentes.
Destaco, neste contexto, o capítulo sobre “Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica (MCDT)”, que visa ajudar, de forma prática e objetiva, na interpretação de exames frequentemente realizados, cujos achados nem sempre se enquadram nas síndromes típicas. Um exemplo é a abordagem ao nódulo pulmonar, contemplada neste capítulo.
RX: Pode destacar alguns aspetos práticos do guia, por exemplo, no diagnóstico ou gestão de patologias respiratórias comuns como a asma ou a DPOC?
TM: De facto, os capítulos dedicados à asma e à DPOC destacam-se por abordarem de forma aprofundada estas que são as patologias respiratórias crónicas mais prevalentes na MGF.
Um dos pontos de relevo é a inclusão de um capítulo dedicado à asma grave — uma condição com a qual os médicos de família ainda têm, em geral, pouca experiência. Sendo uma situação que exige acompanhamento por cuidados de saúde secundários especializados, é essencial que o médico de família consiga suspeitar corretamente do diagnóstico, realizar uma avaliação completa e proceder a uma referenciação célere e adequada, evitando agudizações ou o agravamento clínico.
No que respeita à DPOC, procurámos integrar as evidências mais recentes, com destaque para aspetos emergentes como a exploração dos diferentes etiotipos da doença — muito além da habitual associação ao tabagismo —, bem como as múltiplas trajetórias possíveis no seu desenvolvimento, relacionadas com as variações no desenvolvimento e maturação pulmonar entre indivíduos.
RX: Tendo em conta o envolvimento de várias especialidades médicas neste projeto, qual é o impacto que espera alcançar na prática clínica e na qualidade dos cuidados prestados às pessoas com doenças respiratórias?
TM: Vivemos atualmente um dos melhores momentos no desenvolvimento dos cuidados respiratórios em Portugal, fruto de vários fatores. Desde logo, a crescente capacitação técnica dos médicos de família nesta área, bem como a evolução na organização dos cuidados de saúde primários — com a reforma das Unidades de Saúde Familiar (USF) e dos modelos de avaliação de desempenho, que têm promovido um maior acompanhamento e vigilância dos doentes, especialmente na asma e na DPOC, com o objetivo de prevenir agudizações e internamentos.
Adicionalmente, temos hoje um conhecimento mais preciso sobre a prevalência destas patologias. O estudo Epi-Asthma estima aproximadamente 700 mil doentes adultos com asma em Portugal Continental, e está atualmente em curso o maior estudo nacional sobre prevalência e caracterização da DPOC.
Este guia surge, por isso, num momento estratégico, como uma ferramenta de apoio à prestação de cuidados de excelência, especialmente nos Cuidados de Saúde Primários. O envolvimento de especialistas de diferentes áreas confere ao documento uma perspetiva multidisciplinar, que contribuirá também para melhorar a articulação entre os diversos níveis de cuidados.