Especialistas concordam: maioria das mulheres desconhece que os distúrbios da tiroide podem causar infertilidade e problemas no bebé
Não são muitos os dados que permitem traçar, com certezas, o cenário dos distúrbios da tiroide em Portugal, problemas que, de acordo com as estimativas, afetam entre 5% a 10% da população nacional. E não será muito também o conhecimento dos portugueses, e sobretudo das portuguesas, mais afetadas, sobre estes problemas, sendo muitas as que desconhecem o impacto que as alterações na tiroide podem ter antes, durante e depois da gravidez. Será este o foco da Semana Internacional da Tiroide, de 25 a 31 de maio, que visa alertar para distúrbios como o hipotiroidismo, que podem gerar dificuldades na fecundação, aumentar o risco de aborto e prejudicar o desenvolvimento do bebé e chamar a atenção para a necessidade de análises da função tiroideia por todas as mulheres que queiram engravidar.
Apesar de muitas pessoas já terem ouvido falar da importância da tiroide, Maria João Oliveira, endocrinologista membro da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo (SPEDM), não tem dúvidas que “a maioria desconhece o papel desta em etapas cruciais da vida, nomeadamente no crescimento e desenvolvimento sexual, na conceção e na gravidez”. Inês Sapinho, endocrinologista, também membro da SPEDM, concorda que “há uma grande fatia da população que desconhece o papel fundamental desta glândula e a importância do controlo da função tiroideia, nomeadamente durante a gravidez”. Isto apesar de as doenças da tiroide afetarem sobretudo as mulheres, com a sua prevalência a aumentar com a idade. A explicação biológica para esta assimetria de género ainda é mal compreendida, mas Inês Sapinho refere peças importantes do puzzle: “o cromossoma x e os estrogénios”.
O hipotiroidismo ocorre, esclarece Inês Sapinho “quando a glândula da tiroide não produz hormonas em quantidade suficiente para a corrente sanguínea, um défice que compromete o normal funcionamento do organismo”. É, acrescenta Maria João Oliveira, uma patologia “insidiosa, que se manifesta lentamente, com sinais e sintomas que podem ser inespecíficos”. Os mais frequentes, cansaço, maior sensibilidade ao frio, queda de cabelo, pele seca, aumento de peso, edemas, fraqueza muscular, depressão, obstipação, irregularidades menstruais, “nem sempre são valorizados quer pelo doente, quer pelo médico, e o seu diagnóstico é muitas vezes tardio”, completa Inês Sapinho.
Um atraso com consequências. O hipotiroidismo torna mais difícil a fecundação, atrasando a gravidez. Mas o seu impacto não se fica por aqui. Com sinais e sintomas que continuam a ser, também durante a gestação, “inespecíficos e facilmente confundíveis, com queixas frequentes na gravidez (aumento de peso, falta de forças, cansaço e obstipação)”, podendo haver ainda “um aumento do volume da glândula tiroideia, vulgarmente conhecido por bócio”, o hipotiroidismo pode afetar também a saúde do bebé, continua a explicar Maria João Oliveira.
É que, “durante a gravidez, há alterações fisiológicas no organismo da mãe que obrigam a glândula tiroideia a um esforço acrescido. Até cerca das 20 semanas de gestação, a tiroide fetal não sintetiza as hormonas necessárias para o desenvolvimento do feto, pelo que este necessita das hormonas tiroideias produzidas pela mãe, que são indispensáveis ao desenvolvimento do sistema nervoso central fetal. Um défice destas pode-se traduzir, mais tarde, num atraso cognitivo ou dificuldades de aprendizagem da criança. Assim se compreende que o diagnóstico e tratamento tardios do hipotiroidismo materno podem comprometer o desenvolvimento do feto e mais tarde da criança”.
Por tratar, “o hipotiroidismo pode causar alterações na circulação sanguínea placentária, do líquido amniótico e aumentar a probabilidade de um parto pré-termo ou instrumentado. Já as grávidas que apresentam hipotiroidismo causado por Tiroidite autoimune crónica (ou de Hashimoto) têm maior probabilidade de desenvolver depressão pós-parto e exacerbação da tiroidite durante um período limitado de tempo”.
Motivos de sobra para um controlo, nem sempre feito, dos níveis das hormonas da tiroide. Maria João explica que, “se o hipotiroidismo já era conhecido pela mulher antes de engravidar e se não estiver tratado, conduz geralmente a uma infertilidade. Deverá estar controlado e a mulher deve falar com o seu médico e fazer análises da função tiroideia quando pensar em engravidar”.
Se for diagnosticado antes da gravidez, há tratamento e, “desde que a função da tiroide esteja dentro dos limites pretendidos durante a gravidez e a mulher seja convenientemente vigiada, a gestação pode decorrer de uma forma perfeitamente normal”.
Sendo o hipotiroidismo uma doença que se desenvolve de uma forma lenta e progressiva, com sintomas pouco específicos e partilhados com outras doenças, “o seu diagnóstico pode ser tardio se não for pensado atempadamente e, como tal, o seu tratamento atrasado” refere a médica, que esclarece que o diagnóstico se faz “através do doseamento da TSH (hormona estimuladora da tiroide) e da T4 no sangue”. Um exame simples e barato, que pode “evitar as complicações e permitir uma evolução normal da gestação”.