Dor: do conhecimento para a prática

Com o intuito de aumentar o conhecimento e a sensibilização da dor entre os profissionais de saúde, a comunidade científica e doentes, a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) definiu para 2022 o tema “Dor: Do Conhecimento à Prática”. Neste sentido, o Raio-X partilha um artigo de opinião da autoria de Célia Duarte Cruz, membro da Direção da Associação Portuguesa Para o Estudo da Dor (APED) e de José Tiago Costa Pereira, docente e investigador da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

A iniciativa Ano Global da Associação Internacional para o Estudo da Dor centra-se num aspeto específico da dor e pretende aumentar sua visibilidade. Em 2022, o tema do Ano Global é a translação do conhecimento básico da dor para a prática clínica.

A dor deve ser vista como uma função fisiológica vital com função protetora. Quando a dor se torna crónica é considerada uma patologia per se, resultando do funcionamento anormal do sistema nervoso. Os seus mecanismos neurobiológicos são diferentes da dor aguda e com particularidades muito específicas. Assim, o tratamento da dor crónica constitui um enorme desafio para os clínicos, mas também para os investigadores, que trabalham no sentido de melhor compreender a sua patofisiologia, de identificar novos alvos terapêuticos e desenvolver novas estratégias terapêuticas.

A investigação em dor tem, desde sempre, assumido um carácter translacional, com vista a traduzir os achados científicos em abordagens inovadoras e eficazes. Neste sentido, existem vários modelos animais de doença com relevância e que recapitulam características importantes de síndromes dolorosos. Os roedores são os animais mais utilizados, dada a sua anatomia e neuroquímica do sistema nervoso, o que permite a extrapolação, pelo menos teórica, dos resultados obtidos para os doentes. Além disso, o desenvolvimento recente de testes de avaliação de ansiedade em roedores veio contribuir para uma melhor percepção do papel do estado emocional na cronificação e catastrofização da dor. Não podemos, no entanto, ignorar que existem diferenças relevantes entre os animais e os humanos que podem dificultar a translação do conhecimento fundamental para a prática clínica. Não obstante, a investigação pré-clínica tem permitido identificar e estudar fatores relevantes para a dor aguda e fatores envolvidos na manifestação e manutenção da dor crónica, bem como identificar novos alvos terapêuticos.

Os modelos pré-clínicos de dor têm sido essenciais para o desenvolvimento de novas moléculas que se revelaram excelentes analgésicos para o tratamento de algumas condições dolorosas, como é o caso da duloxetina, eficaz em modelos de dor neuropática periférica e em doentes com dor crónica lombar. Outro exemplo clássico é a capsaicina, um agonista do recetor vanilóide 1 com potencial analgésico relevante em vários tipos de dor. Os seus mecanismos de ação foram descritos em animais experimentais, que permitiram traduzir os resultados de investigação fundamental em aplicação clínical. No futuro, espera-se que órgãos-em-chip, que são modelos ‘in vitro’ de cultura celular, passem a constituir uma alternativa à experimentação animal, especialmente se a fonte celular for humana. Além dos modelos animais, importa referir que o grande desenvolvimento de técnicas de biologia molecular abriu novos horizontes. Por exemplo, a identificação de polimorfirmos relevantes em recetores membranares ou em enzimas biossintéticas poderá permitir estabelecer uma melhor caracterização inicial do doente, o que poderá contribuir para uma abordagem terapêutica personalizada e prognósticos mais fiáveis.

A investigação de translação em dor é complexa, mas de inegável importância. Tem atravessado dificuldades, mas produziu resultados aplicáveis na clínica e revolucionou abordagens terapêuticas. Apesar dos desafios futuros, a comunidade de investigadores é resiliente e perseverante e continuará a trabalhar para se possa vencer a dor.

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