Experiência com o cancro: Escrever para contá-la

Ana Rita Lúcio partilha com os leitores do Raio-X, na primeira pessoa, o que foi viver com cancro da mama em tempos de pandemia.

“Como escrever a propósito de algo sobre o qual pensamos o menos possível? Foi esse o dilema com que me deparei, quando me lançaram o desafio de redigir, nas próximas linhas, a crónica da minha experiência com o cancro. Sou uma mulher de palavras, o meu percurso – pessoal e profissional – conta-se nelas, mas a mais pura verdade é que hoje, quase um ano volvido sobre o meu diagnóstico, continuo a não ter muito a dizer sobre o cancro da mama, que encarei sempre como repto, nunca sentença.

Não é vontade de passar uma borracha sobre nada do que vivi, desde que um tumor bem visível e palpável na mama direita fez o meu médico não ter dúvidas de que seria maligno, ainda antes de sequer realizar a biópsia. Ao invés, é uma profunda convicção de que na minha vida, esta doença é um parêntesis no meio do tanto que ainda há por escrever.

Ponto prévio: nesta odisseia não há heróis. Descobrir, aos 32 anos, com um filho de três anos, à época, que se tem um cancro, que é preciso retirar a mama direita, que nos esperam largos meses de quimioterapia e radioterapia e, finalmente, anos de hormonoterapia, faz-nos tremer. Faz-nos temer, inevitavelmente. Mas também nos pode fazer tomar consciência de que se não podemos controlar tudo o que nos vai acontecendo, podemos sempre controlar o modo como reagimos àquilo que nos acontece. E foi esse o mote para o caminho que tenho traçado, desde então.

Palavra que, para mim, a chave está em riscar o azar e sublinhar a tremenda sorte que tenho tido ao longo de todo o processo. Desde logo, o privilégio de poder contar com pessoas que continuaram a olhar para a mim como a Rita – assim, sem quaisquer outros predicados – e não como a doente que tentei nunca ser. Desse lote de seres humanos inexcedíveis que me deram a honra de ser coprotagonistas desta história, não posso deixar de ressalvar os profissionais de saúde incansáveis que me mostraram o verdadeiro sentido da expressão: tratar pessoas e não doenças. Entre muitos outros que jamais esquecerei, do Dr. Carlos que chorou e riu comigo, enquanto me salvava, ao enfermeiro Dinis que me recebeu com um sorriso quando acordei da operação, à enfermeira Ana Rita que me cuidou das cicatrizes do corpo e da alma, à enfermeira Sara que, procurando uma veia para administrar mais uma sessão de quimioterapia, parou para tomar o pulso ao meu estado de espírito, às técnicas de radioterapia cujo nome nunca soube, mas recordo as gargalhadas quando lhes agradecia por mais uma sessão de solário grátis, à Dr.ª Vera na sua infinita paciência de escutar todas as reticências de quem quer continuar a compor uma vida aquém e além do cancro. Uma menção especial ainda para as minhas companheiras da Associação Caminhar Contigo, nomeadamente a Marisa e a Ana, que tiveram a generosidade de saber ouvir tudo quanto dizia o meu silêncio.

Para rematar este relato que, mais do que se pronunciar sobre o cancro, versa sobre mim – e nem poderia ser de outra forma –, uma nota sobre a pandemia, a qual veio adensar o enredo, mas que – no meu caso, pelo menos – tive mais uma vez a grande sorte de não mudar o rumo da história. Da experiência que colhi tanto na unidade privada de saúde onde fui operada, como nas instituições públicas onde tenho vindo a trilhar a restante jornada terapêutica, não registo atrasos, nem falhas. Assinalo, antes, o empenho e o zelo de todas as equipas envolvidas para conseguir garantir que a preocupação com a COVID-19 não fala mais alto que a necessidade de combater o cancro.

No fim desta crónica, como no princípio, volta a ser o verbo: escrever. Escrever para me contar a mim, para contar aquilo que o cancro não resume, para contar tudo o que ainda está por viver. Obrigada por (me) lerem.”

 

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