Cancro do colo do útero: medidas de prevenção primária e secundária

No âmbito da Semana Europeia de Prevenção do Cancro do Colo do Útero, que se assinalou de 20 a 26 de janeiro, o Raio-X partilha um artigo de opinião da autoria de Maria João Carvalho, ginecologista-obstetra no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, que alerta para as medidas de prevenção primária e secundária desta patologia. 

O cancro do colo do útero é o segundo cancro ginecológico mais frequente nas mulheres com idade inferior a 50 anos. Os dados da Direção Geral de Saúde apontam para 10,8 casos/100 000 mulheres por ano e estima-se que a cada dia morra uma mulher com este tipo de cancro. Os fatores de risco são a infeção pelo vírus do papiloma humano (human papillomavirus – HPV) de alto risco, início precoce da atividade sexual, múltiplos parceiros sexuais, multiparidade, tabagismo e imunossupressão.

Historicamente, a introdução do rastreio citológico com o teste Papanicolau levou a uma diminuição da incidência do cancro do colo, com uma redução para cerca de metade dos diagnósticos. Atualmente, a maioria dos casos deste tipo de cancro deve-se a problemas relacionados com falhas do rastreio ou ausência de seguimento de citologias alteradas. De acordo com o relatório Nacional das Doenças Oncológicas de 2017, a cobertura do rastreio do cancro do colo nas regiões do Norte, Centro, Alentejo e Algarve atingiu os 76%. A região de Lisboa e Vale do Tejo não tem rastreio de base populacional organizado. Ainda se apontam oportunidades para melhorar estes números, cujo objetivo é atingir 100% em 2020. Nesse sentido, destaca-se a necessidade de estabelecer e cumprir normas nacionais, uniformização de atuação, financiamento, programas de divulgação e informação, alargamento de horários, qualidade técnica e garantia de orientação terapêutica em tempos aceitáveis.

A família do HPV é constituída por mais de 200 tipos que podem ser classificados em serotipos de baixo risco ou de alto risco, estando estes últimos associados ao cancro do colo do útero. A infeção por HPV ocorre frequentemente na mulher jovem sexualmente ativa. As lesões iniciais provocadas pelo vírus podem evoluir para lesões pré-malignas, mas em muitos casos o organismo resolve a infeção através do sistema imunitário. O HPV está associado ao cancro do colo do útero, mas também a outros cancros menos frequentes como do ânus, vagina, vulva, pénis e orofaringe. Podem também surgir lesões benignas, relacionadas com serotipos de baixo risco, particularmente da pele, como verrugas ou condilomas da vulva, vagina, colo e canal anal.

A vacinação é a forma de prevenção primária, uma vez que evita o aparecimento da doença, e deve ser administrada idealmente antes do início da atividade sexual.

Portugal foi dos primeiros países a incluir a vacina no Plano Nacional de Vacinação (PNV), com uma cobertura que atingiu cerca de 90% das raparigas. A vacina tetravalente (vírus HPV 6, 11, 16 e 18) foi introduzida no PNV em 2008, para as jovens com 13 anos e repescagem às de 17 anos. Posteriormente, foi aprovada a vacina nonavalente (9 vírus: 6, 11, 16, 18, 31, 33, 45, 52 e 58), administrada no PNV a meninas com 10 anos. A partir de 1 de outubro de 2020, será também administrada a vacina aos rapazes. Atualmente, a população vacinada em 2008 começa a integrar o programa de rastreio do cancro do colo do útero. As recomendações têm seguido no sentido de adotar um teste mais adequado, nomeadamente o teste de HPV, que deteta a presença dos vírus de alto risco. O teste de HPV contribui, assim, para ganhos adicionais por ser mais sensível.

Atualmente, o programa de rastreio do cancro do colo destina-se a mulheres entre os 25 e os 60 anos, sendo que se recomenda fazer o teste de HPV em citologia vaginal de 5 em 5 anos. Se a pesquisa for positiva para HPV 16 ou 18, a mulher é orientada para consulta de referência de patologia cervical. Para os restantes vírus de alto risco, o encaminhamento depende da alteração citológica, que pode traduzir a presença de lesão inicial do colo uterino. Se a citologia for normal, deve ser realizada uma nova colheita após 1 ano. As lesões do colo uterino ou infeção por HPV não contraindicam a administração da vacina, já que esta pode conferir proteção para outros subtipos de HPV. Também se salienta a necessidade da manutenção do programa de rastreio em mulheres vacinadas, já que a vacina não confere proteção para todos os tipos de HPV.

O cancro do colo do útero é atualmente uma doença que pode ser prevenida. A implementação dos programas de rastreio pretende detetar a doença em estádios iniciais, com boas taxas de cobertura nas regiões com rastreio organizado. Por outro lado, a vacinação é uma medida de prevenção primária, que noutras patologias já provou a possibilidade de eliminação da doença. Certamente no futuro, a promoção destas medidas e a sua divulgação poderão ter tradução numa modificação no paradigma da incidência do cancro do colo uterino e das lesões pré-malignas orientadas para centros de referência.

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