“Há largos anos que o Infarmed tem vindo a contribuir para a sustentabilidade do SNS”

Henrique Luz Rodrigues assumiu, no início deste ano, a presidência da direção da Autoridade Nacional do Medicamento e, em entrevista ao Raio-X, garante que, no que respeita ao acesso a terapêuticas inovadoras, os portugueses estão em pé de igualdade relativamente aos “franceses, alemães, ingleses ou espanhóis”. No entanto, o especialista em Farmacologia Clínica e Nefrologia reconhece que, para assegurar a sustentabilidade do SNS “é necessário proceder à realização de complexos processos de negociação com as empresas, o que por vezes torna os processos mais morosos”. Henrique Luz Rodrigues esclarece ainda algumas questões polémicas sobre a venda e promoção de suplementos alimentares e sobre o papel do Infarmed na inspeção e no controlo de medicamentos falsificados.

Raio-X – Comparativamente com países como a França, a Alemanha ou o Reino Unido ou mesmo Espanha, Portugal tem sido apontado como um dos países em que os doentes têm de esperar mais tempo pelo acesso à inovação. De que forma poderá o Infarmed encurtar esta espera e facilitar esse processo?

Henrique Luz Rodrigues – Gostaria primeiro de salientar que os doentes portugueses têm acesso à mesma medicação que os franceses, alemães, ingleses ou espanhóis, apenas para citar os exemplos dados na questão. Existem meios que possibilitam que, nas situações de real necessidade, qualquer fármaco disponível nestes ou noutros países da UE esteja disponível no nosso país.

Depois, é necessário compreender que o tempo de avaliação de cada processo pode variar de acordo com as características específicas do medicamento em análise ou da indicação terapêutica para qual está a ser solicitado o seu financiamento pelo Serviço Nacional de Saúde.

A avaliação económica de tecnologias de saúde visa fundamentar a decisão relativamente à comparticipação do Estado no preço dos medicamentos, através da sua avaliação nas vertentes farmacoterapêutica e económica, consiste na determinação da mais-valia do medicamento nas vertentes de valor terapêutico e vantagem económica.

A implementação do SiNATS – Sistema de Avaliação de Tecnologias de Saúde, que foi concebido em harmonização com outros sistemas europeus que procuram atingir o mesmo objetivo primordial de obter ganhos em saúde, cria algumas estruturas passíveis de reduzir significativamente os tempos de tempos de avaliação, como seja a criação da Comissão de Avaliação de Tecnologias de Saúde (CATS), que será nomeada brevemente.

“É necessário compreender que o tempo de avaliação de cada processo pode variar de acordo com as características específicas do medicamento em análise ou da indicação terapêutica para qual está a ser solicitado o seu financiamento pelo Serviço Nacional de Saúde.”

É no entanto de salientar que, de forma a garantir o acesso e as melhores condições para o SNS, é necessário proceder à realização de complexos processos de negociação com as empresas, o que por vezes torna os processos mais morosos.

RX – Considera que determinadas áreas terapêuticas, tais como a diabetes, a sida ou as doenças oncológicas, têm sido beneficiadas no que respeita à aprovação e comparticipação de novos medicamentos, comparativamente com outras áreas?

HLR – Essa é uma falsa questão, não existe qualquer descriminação na avaliação da comparticipação de novos medicamentos, independentemente da patologia a que se destinam, sendo que, considero que a inovação que o Estado deve financiar, depende da inovação que as empresas conseguem desenvolver.

No caso do SNS, as negociações são sempre muito importantes para garantir o acesso de todos os doentes às tecnologias de que necessitam, independentemente das patologias que afetam cada um deles.

RX – Há uma maior pressão para conceder a comparticipação de medicamentos para doenças que têm maior impacto em termos de mortalidade, ainda que esses medicamentos tragam um benefício acrescido, por vezes, pouco significativo em relação às terapêuticas já disponíveis?

HLR – O que existe é uma diferenciação entre a inovação com valor terapêutico incremental e a inovação com valor terapêutico disruptivo, como por exemplo, em situações em que se verifica a cura de patologias sem tratamento até então, como o caso recente de fármacos para a hepatite C. Infelizmente, esta última situação não é tão frequente como se deseja.

RX – Desde há vários anos que se discute a sustentabilidade do SNS, assim como os custos envolvidos na aquisição de medicamentos. De que forma o Infarmed pode contribuir para uma melhor gestão dos recursos “finitos” de um sistema de saúde que se define como equitativo e universal?

HLR – Há mais de 15 anos que o Infarmed assegura a Avaliação de Tecnologias de Saúde (ATS) em Portugal, no contexto da tecnologia de saúde medicamento. Assim, já há largos anos que o Infarmed tem vindo a contribuir, por esta via, para a sustentabilidade do SNS.

Não obstante, e com a criação o ano passado do Sistema Nacional de Avaliação de Tecnologias de Saúde (SiNATS), o Infarmed dispõem agora de competências que lhe permitem quer o alargamento do âmbito da avaliação das tecnologias de saúde aos dispositivos médicos (e, no futuro, a qualquer tecnologia de saúde que seja necessário avaliar), quer capacidade negocial que permite o estabelecimento de contratos com pagamento por resultados (ou ganhos em saúde). Este sistema irá permitir que as tecnologias de saúde sejam objeto de avaliação e reavaliação num contexto integrado e com recurso preferencial à fixação de objetivos através de contratos com os titulares das autorizações.

Ainda no contexto da sustentabilidade do SNS, e no sentido de promover o aumento da quota do mercado de medicamentos genéricos tem em conta a margem para a baixa de preço que subsiste, há a salientar, para além da Via Verde dos Genéricos já instituída pelo Infarmed, a novidade agora presente na legislação do SiNATS que permite acelerar a avaliação deste tipo de medicamentos obtendo uma poupança em meio hospitalar através de critérios de vantagem económica. Esta medida é também aplicável aos medicamentos biossimilares.

57 alertas de medicamentos falsificados em 2015

RX – Nos últimos anos, uma das grandes preocupações do Infarmed tem sido a identificação de fontes de contrafação de medicamentos. Essa continuará a ser uma prioridade? Quais os resultados das inspeções e iniciativas até agora levadas a cabo?

HLR – Importa, antes do mais, esclarecer que a falsificação de medicamentos assenta numa falsa representação da identidade de um determinado medicamento, da sua origem ou da sua história. Estes critérios são adotados independentemente das infrações aos direitos de propriedade intelectual, que não cabe a este Instituto fiscalizar.

Durante o ano de 2015 foram recebidos neste Instituto, quer através do sistema europeu de alertas, quer através de outras entidades ou agências, 57 alertas de medicamentos falsificados, sendo que não foi detetado em Portugal qualquer medicamento constante desses alertas.

Durante o ano de 2014 foram intercetadas 23.834 embalagens de produtos que se tratavam de potenciais medicamentos ilegais, falsificados ou contrafeitos. Em 2015 (dados até Maio, inclusive) esse valor era de 6.465 embalagens.

“Durante o ano de 2015 foram recebidos neste Instituto 57 alertas de medicamentos falsificados, sendo que não foi detetado em Portugal qualquer medicamento constante desses alertas.”

O INFARMED, I.P. faz um controlo diário dos produtos suspeitos de se tratarem de medicamentos ilegais, contrafeitos ou falsificados. Este controlo é exercido de diversas formas, entre elas através de inspecções a entidades e controlo de mercadorias que entrem em território nacional, oriundos de países terceiros. Assim, na sua atividade diária de inspeção a entidades cuja fiscalização se encontre sob a alçada deste Instituto, é sempre verificada, in loco, a existência de produtos que possam tratar-se de medicamentos ilegais, contrafeitos ou falsificados. Por outro lado, através de um protocolo existente entre o INFARMED, I.P. e a Autoridade Tributária e Aduaneira, são diariamente verificadas, avaliadas e, se necessário, apreendidas encomendas postais suspeitas de conterem, ou contendo, medicamentos ilegais.

Ademais, o INFARMED, I.P. participa, com uma periodicidade anual, na operação PANGEA, coordenada pela INTERPOL e que contou, em 2015, com a participação de 115 países. Nesta última operação foram inspecionadas, nas alfândegas, 6140 embalagens, das quais 1051 foram apreendidas por se tratarem de medicamentos ilegais.

RX – Serão mantidas as campanhas de sensibilização da população para a aquisição de medicamentos em locais seguros?

HLR – Sim. As campanhas de sensibilização para este tema são essenciais para garantir que os cidadãos adquirem medicamentos apenas em locais autorizados para o efeito e estão conscientes dos riscos inerentes à aquisição de medicamentos em locais não autorizados (riscos para a saúde e mesmo risco de vida) e que, com frequência, se verifica serem medicamentos falsificados ou contrafeitos. Trata-se de fornecer ao cidadão a informação necessária para que possa tomar a decisão correta no momento de adquirir os seus medicamentos, garantindo assim que estes têm a segurança, a qualidade e a eficácia exigidas e que a sua utilização é acompanhada por um profissional de saúde.

Suplementos alimentares “não são medicamentos”

RX – Um dos temas que tem marcado a atualidade é a suspensão da venda livre de medicamentos, mais concretamente suplementos, agressivamente publicitados nos meios de comunicação e cuja eficácia parece não estar devidamente demonstrada. Refiro-me aos suplementos de cálcio que são promovidos como “curativos” para todos os males osteoarticulares. Que medidas foram, até agora tomadas?

HLR – O Infarmed não é a entidade responsável pelos suplementos alimentares comercializados em Portugal, no entanto, no seguimento das intensas campanhas publicitárias sobre produtos contendo cálcio, que têm sido divulgadas nos diversos órgãos de comunicação social, o Infarmed no âmbito das suas atribuições inspecionou as peças publicitárias em causa e encontra-se a acionar todos os mecanismos ao seu alcance para proteger a saúde dos cidadãos, sempre que se verifiquem alegações/indicações terapêuticas que apenas possam ser utilizadas em publicidade a medicamentos.

Em 2014 o Infarmed e a ASAE, enquanto responsável pela supervisão do mercado de suplementos alimentares, celebraram um protocolo de colaboração com o objetivo de reforçar a fiscalização da exposição dos consumidores a suplementos alimentares que na sua composição contenham substâncias ativas utilizadas em medicamentos, constituindo assim um risco para a saúde pública. No âmbito deste protocolo, foram colhidos em 2014, 98 produtos destinados ao emagrecimento ou à melhoria do desempenho sexual.

“Não sendo medicamentos [os suplementos], não se destinam a tratar ou prevenir nenhuma patologia, pelo que não se pode falar de falta de eficácia. Esta questão aparece devido à má utilização destes produtos, uma vez que em muitas peças publicitárias se apresentam ao público como medicamentos.”

As colheitas foram efetuadas por equipas especializadas de peritos, em retalhistas e distribuidores de suplementos alimentares e após análise efetuada pelo laboratório do Infarmed, foram detetados 27 produtos contendo substâncias com atividade farmacológica, que constam na composição de medicamentos destinados à disfunção erétil, nomeadamente compostos inibidores da fosfodiesterase do tipo 5 (sildenafil, tadalafil e análogos), e em medicamentos para o tratamento da obesidade proibidos na União Europeia (sibutramina). Esta informação foi divulgada aos media e colocada no site do Infarmed.

No que respeita aos processos de contraordenação, em 2015 foram instaurados 33 processos de contraordenação social cuja instrução se encontra a decorrer.

Sempre que se verificam campanhas publicitárias sobre produtos que reivindicam que previnem, tratam ou diagnosticam doenças ou os seus sintomas, o INFARMED, I.P., no âmbito das suas atribuições, inspeciona as peças publicitárias em causa e aciona os mecanismos ao seu alcance para proteger a saúde dos cidadãos.

RX – O que está em causa nestes produtos é a eventual falta de eficácia ou potenciais problemas de segurança e toxicidade?

HLR – São suplementos alimentares que, por definição, são géneros alimentícios que se destinam a complementar e/ou suplementar o regime alimentar normal e que constituem fontes concentradas de determinadas substâncias nutrientes ou outras com efeito nutricional e fisiológico. Não sendo medicamentos, não se destinam a tratar ou prevenir nenhuma patologia, pelo que não se pode falar de falta de eficácia. Esta questão aparece devido à má utilização destes produtos, uma vez que em muitas peças publicitárias se apresentam ao público como medicamentos. Por outro lado, não sendo medicamentos, a sua qualidade, segurança e eficácia não são controladas como a dos medicamentos, que devem submeter um dossier para avaliação antes da colocação no mercado.

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