Artigo de opinião de José Sanches Magalhães, médico Urologista que explana uma nova abordagem ao diagnóstico do cancro da próstata promete mudar estatísticas
A inovação no diagnóstico do Cancro da Próstata acaba de ser comprovada pelo recente estudo internacional PRECISION, apresentado no congresso da Associação Europeia de Urologia e publicado no New England Journal of Medicine. Através da realização prévia de uma Ressonância Magnética (RM), reduz-se a necessidade de realização de biópsia, diminuindo as infeções e complicações pós-biópsia, diminuindo a possibilidade de deteção de cancros clinicamente insignificantes e – o que é realmente importante – aumentando exponencialmente a eficácia na deteção de cancros com real significado clínico. Os resultados deste estudo aconselham mesmo que a abordagem tradicional, através da biópsia transretal, seja evitada, de forma a minimizar riscos e complicações para a saúde do paciente. Cerca de um milhão de homens, em toda a Europa, é sujeito, anualmente, a uma biópsia da próstata e com a realização da RM conseguir-se-á reduzir em 28% o número de biópsias realizadas.
Embora o rastreio do Cancro da Próstata seja feito, atualmente, com recurso a uma análise simples ao sangue – PSA (Antigénio Específico da Próstata), a sua utilização não é consensual. Nos Estados Unidos da América (EUA) a recomendação é de informar os homens, entre os 55-69 anos, dos benefícios e riscos deste tipo de rastreio, uma vez que o benefício em termos de sobrevivência é pequeno. Aliás, a Associação Europeia de Urologia sugere que que não se deve indicar este tipo de rastreio sem antes informar os pacientes dos riscos e benefícios. Sempre que a esperança de vida seja inferior a 15 anos não há benefício em realizar rastreio com PSA.
O benefício é um evidente diagnóstico precoce, numa fase em que é possível alterar o curso da doença, com vantagem em termos de taxa de cura. Porém, os riscos são em maior número: complicações da técnica utilizada para diagnóstico (biópsia prostática), nomeadamente complicações infecciosas graves (1%), que são cada vez mais frequentes; deteção de tumores indolentes, que provavelmente não necessitam de tratamento, uma vez que não teriam qualquer manifestação clínica ao longo da vida do homem, se não tivessem sido detetados; os efeitos secundários a qualquer forma de tratamento, que geralmente passam por algum grau de incontinência urinária, disfunção sexual e complicações intestinais; e por último, a ansiedade decorrente do rótulo de “doente oncológico”.
Globalmente, é necessário rastrear 741 homens e tratar 27 para evitar uma morte (número menor que nos estudos relativos ao Cancro da Mama). Destes dados se depreende que o ato de solicitar a análise do PSA não deve ser efetuado por “rotina” e de ânimo leve, muito menos o pedido de uma biópsia prostática transretal.
Recorde-se que o Cancro da Próstata é um dos cancros mais frequentes, com mais de 417 mil novos casos e 92 mil mortes registadas na Europa, por ano, sendo a terceira causa de morte nos homens na Europa, segundo a European Association of Urology. Portugal regista 6600 novos casos por ano. Em termos de mortalidade, representa 1600 óbitos/ano no nosso país, ficando atrás dos tumores do pulmão, coloretal e estômago. Estima-se que um em cada sete homens, na Europa, desenvolva Cancro da Próstata e mais de 2 milhões de homens na Europa vivem com esta doença.
A incidência desta doença crónica aumentou significativamente nos últimos 20 anos e a maioria dos casos são diagnosticados aos 69 anos, mas não afeta os homens apenas desta idade. Hoje em dia, 10% dos novos diagnósticos nos Estados Unidos ocorrem em homens com menos de 55 anos.
A eficácia comprovada do diagnóstico com Ressonância Magnética
Em 2017 foi publicado um estudo multicêntrico (Reino Unido) – o PROMIS, que, juntamente com o PRECISION, igualmente multicêntrico (Internacional), agora publicado no New England Journal of Medicine, vem confirmar o papel essencial da Ressonância Magnética (RM) na abordagem ao diagnóstico do cancro da próstata.
A RM prostática padronizada permite reduzir, em cerca de 28%, a necessidade de realização de biópsia prostática. Tendo em conta a estimativa anual de 19800 biópsias/ano, só em Portugal, a realização de RM iria fazer com que cerca de 5500 homens fossem poupados à realização de biópsia.
Desde o fim dos anos 80, a grande maioria das biópsias prostáticas é realizada com auxílio de ecografia transrectal. Isto não significa que a ecografia guie a localização da zona suspeita, mas tão só que permita espalhar o mais uniformemente possível a colheita de vários fragmentos de tecido. Já a RM permite guiar a colheita de tecido prostático com vantagem confirmada em termos de menor taxa de deteção de tumores clinicamente insignificantes (-13%) e maior taxa de deteção de tumores clinicamente significantes (+12%). Perante vantagens tão evidentes da realização de RM (exame não invasivo), antes da biópsia prostática transretal (exame invasivo), resta às sociedades científicas das diferentes especialidades intervenientes — Radiologia e Urologia — promover a formação dos seus associados que lidam com este tipo de patologia. Igualmente importante é a formação da adequada informação a prestar aos pacientes, pelos colegas dos cuidados de saúde primários, aquando da intenção de rastreio.
A RM veio revolucionar a abordagem diagnóstica do Cancro da Próstata e a realização de biópsia prostática, sem antes realizar RM, a curto prazo, será considerada “má prática”, na grande maioria dos pacientes.