Especial Eutanásia: Perspetiva de uma oftalmologista

No seguimento do Especial Eutanásia do Raio-X, com base em opiniões de vários médicos sobre a eutanásia, aqui fica a perspetiva de Maria João Quadrado, oftalmologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.

“A eutanásia não é uma questão médica e a ciência nada tem a dizer sobre o assunto. É uma questão social e que a todos diz respeito. A filosofia e a ética têm, e muito, a dizer sobre o tema e, infelizmente, no meio do ruído ouvem-se menos do que seria desejável. É a ética que ajuda a estabelecer os princípios que governam a ciência e a prática médica.

Os quatro grandes princípios que governam o que fazemos na ciência e na Medicina são: a autonomia, a beneficência, a não maleficência e a justiça. Do ponto de vista dos valores, poucos terão dificuldade em aceitar que é assim que se deve fazer. Respeitar a vontade e autonomia da pessoa humana (doente ou não); agir para fazer o bem e não o mal e fazê-lo de forma justa.

Na prática, no entanto, as coisas complicam-se. Uma fonte habitual de complicações decorre de conflitos entre estes quatro valores que se equivalem. Quando alguém anuncia a vontade de pôr fim à vida pode haver um conflito para quem tem que ajudar essa pessoa a fazê-lo. O princípio da autodeterminação obrigaria ao respeito pela vontade da pessoa. O princípio da beneficência obrigaria a fazer o bem, o que para muitos equivale sempre à preservação da vida, qualquer que seja a sua qualidade.

A forma de resolver estes conflitos é estreitamente relacionada com a cultura e a sociedade em que se tem a sorte ou o azar de morrer. Em países mais liberais tende a prevalecer o respeito pela autodeterminação e pela vontade dos indivíduos. Em países profundamente religiosos pôr fim à vida é mais do que um mal. É um pecado! Em Portugal vivemos, felizmente, num estado laico e há poucas dúvidas que compete à Assembleia da República decidir e legislar.

Tenho poucas dúvidas de que a legalização da eutanásia é um passo certo na direção do progresso no respeito pela dignidade das pessoas e no respeito pela vida humana e pela vontade das pessoas. Incluo aqui aqueles que, em face de um sofrimento inimaginável, querem pôr fim à sua vida e aqueles que as ajudam a fazê-lo.

O maniqueísmo e as visões extremistas não são úteis para um debate público sereno e informativo. Nem os defensores da eutanásia são uns perigosos radicais sem respeito por valores tradicionais e pela vida, nem os que se opõem à eutanásia são uns energúmenos reacionários e assustados na sua caverna.

Olhando para o mundo e para a história vamos aprendendo que os conceitos de bem e mal não são estáticos nem eternos e que não são iguais em todos os lugares nem em todas as culturas. Ter escravos, por exemplo, foi socialmente aceite e não constituía obstáculo para entrar no reino dos céus.

Temos obrigação de aprender com os outros e com a história.”

 

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